segunda-feira, 11 de abril de 2011

Uma ruína que se tornou uma residênci: Diário dos sobreviventes da “Ilha”


Por Eduardo Quive



Meninos a dormir num passeio perante a Av. 25 de Setembro em Maputo


( Maputo) Terror, mau cheiro, lixo e cenário de abandono, é o que caracterizam o lugar conhecido por “ilha”, mas que os seus sobreviventes, preferem chamar por “escuro”. A ruína que “come” muitas pessoas, na maioria jovens, homens e mulheres que abandonam as suas residências para se deixar viver no coração da cidade de Maputo, foi por nós escalada nesta edição, para trazer o diário dos seus moradores. Estamos a falar da ruína que fica na esquina entre as avenidas 25 de Setembro e Samora Machel na zona baixa da cidade de Maputo e ao seu redor, mesmo com o cheiro fedorento a exalar, junto ficam as lojas de vestuários e no interior morra gente.

No peito da cidade Maputo, numa das avenidas mais movimentadas da cidade, encontramos uma ruína que já há muitos anos existe, mas que por sinal, não cria nenhum incómodo as autoridades dado o nível de criminalidade que a cidade vai enfrentando, ou mesmo pela proliferação de cheiro nauseabundo, de lixo a mistura do urina, que dali provém.
Mas também, nem os citadinos incomodam-se com o lugar, uma vez, servir de balneário nas horas de aflição e por outro lado, servir de moradia para outros. Uns porque não tem abrigo e outros porque cansaram-se do sufoco da periferia e preferem instalar-se na cidade, mesmo que para tal tenham que viver no “escuro”, nome que os moradores passaram a dar a ruína, mas que outros cidadãos, chamam de “Ilha.”

O local em referência, situa-se no cruzamento das avenidas Samora Machel e 25 de Setembro. Uma zona em que a elite passa e muitas lojas convergem.
Eugénio Fernando Muringo, é um idoso de 70 anos de idade, vive na rua há muitos anos, mas ficou morador da ilha há três anos.
Muringo, não é muito velho, mas o corpo sofre os efeitos da pobreza e da miséria que vive no seu dia-a-dia. Tem dificuldades para falar e anda com os pés inchados, mesmo assim, deixou-nos com a sua história.
“Vivo neste canto porque o dono da loja tirou-me da parte da lixeira onde os rapazes batiam-me com pedras. Vivo neste lado sozinho, mas lá de cima vivem jovens. As mulheres vão a Rua Araújo de noite e os rapazes fazem negócios durante o dia, vendem bebidas, roubam ou qualquer outra coisa.
Doutro lado da casa, queimavam o lixo sempre e as pessoas entravam para urinar, daí que este jovem dono da loja me tirou. Vivo aqui há três anos e antes estava noutra ruína dentro da cidade, mas os jovens iam fumar, roubavam e se refugiavam lá, a polícia foi nos tirar de lá”.
Eugénio Muringo, relatava o seu historial, pouco preocupado, aparentemente com a vida, mas este homem, tem muito a contar, tal como outros idosos que enchem as ruas da capital, nas praças e com principal incidências nas sextas-feiras, Muringo, foi vítima de um abandono por parte dos familiares, aliás, pode-se dizer até que foi pior na sua parte, pois foram os próprios filhos que o expulsaram da casa que fora por si construída.
“Vivo na rua, mas tenho casa no bairro da Machava, na Matola, mas o meu neto arrancou-a de mim, para ficar a viver com os filhos e a esposa. Quando isso aconteceu fiquei frustrado, não tive outra alternativa, porque não tinha mais família, pois a única são estes que estão na Machava.
Mataram a minha mãe que tinha terras em Goba. Enfeitiçaram-na e morreu por lá há muito tempo”, revelou.
Perante a triste realidade que se abriu na nova página de Eugénio, não restava mais nada, a não ser procurar adaptar-se a nova vida, influenciada por falta de opções, pois, na altura em que foi expulso da sua residência, nem a justiça serviu.
Agora, o homem, está na rua, e sujeito a outras condições humanas de sobrevivência, que só o dia-a-dia sabe resolver. Eugénio Muringo, vive de esmola, para sustentar o pouco espírito de vida que lhe resta.
“Para sobreviver, acordo cedo às sextas-feiras e vou nas lojas pedir esmola. Dão-me algum dinheiro e compro farinha de milho e faço xima, ou então compro pão e como. É apenas isso que me resta: comer, tomar banho e dormir. O que mais posso querer?”

Por outro lado, este homem, não tem paz, vive cercado de jovens que procuram impor a sua força, na sua idade avançada. Assim, nem a rua que o acolhe, num chão sem teto, deixa-o viver a velhice sem perseguições, pois, entre os viventes da Ilha, tem sido vítima de maus comportamentos protagonizados pelos rapazes, mais novos”.

O nosso entrevistado, conta-nos que “entre nós que vivemos aqui na “Ilha” não nos entendemos. Os rapazes são “encrenqueiros” e roubam, por isso a polícia tem vindo os procurar frequentemente, mas a mim não”, disse.
Eugénio, aproveita a ocasião para lembrar-se do passado, contando-nos que nem sempre foi morador. Já teve trabalho e estudou até onde pôde.
“Já tive uma vida normal. Trabalhava na Companhia Vidreira de Moçambique, mas a empresa fechou e tive outros empregos que não me valeram muito. Estudei até a terceira classe”. Disse para depois acrescentar que “gostaria de sair daqui e se alguém o fizesse ou o governo, aceitaria sair. Também porque já não quero muito mais do que lugar para dormir, tomar banho e alimentar-me”.
Enquanto isso não acontece, este cidadão terá que desafiar a vida a sangue frio e sem nenhum acompanhamento, principalmente quando está doente.
“Quando estou doente não tenho quem me atende. Vou dizer a quem? Não tenho cuidados médicos, apenas improviso qualquer coisa para tomar e acabo ficando melhor”.
A nossa Conversa com Eugénio Muringo, foi apenas uma parte de outros dramas dos sobreviventes da “Ilha” ou do “escuro”, uma ruína que vai caindo aos pedaços, mas com vidas a habitar o local.

Sandinho é o mais novo morador da “Ilha”

“Vivo aqui desde há muito tempo, vim ainda criança. Antes morava no bairro de Hulene, aqui em Maputo.”
Sandinho tem mais ou menos 17 anos de idade, é adolescente e é o mais novo morador da ruína. Uma particularidade, Sandinho disse que viveu no bairro de Hulene, arredores da cidade de Maputo, tal como a maioria dos outros moradores daquele local, mas não teve esta alternativa pela simples ambição de viver na cidade.
Sandinho, adolescente que abandonou o lar por maus tratos.
“Vivo na “Ilha” porque abandonei a casa onde morava com o meu pai e a minha madrasta. Esta maltratava-me, não me dava de comer, batia-me e quando dizia ao meu pai não acreditava e pouco se interessava e nem se quer deixavam-me ir a escola.
A minha mãe e o meu pai separaram-se na altura. Ela passou a viver no bairro Luís Cabral, na zona da Maquinag”.
Uma dura realidade, encarada com sacrifício no quotidiano.
“Para poder sobreviver aqui, peço esmola, nos semáforos, ou faço pequenos trabalhos e depois me pagam. É assim que conseguimos algo para comer no dia-a-dia”.
Sandinho, conta-nos as actividades dos outros moradores que ficam no primeiro andar da ruína, quando amanhece, embora, outros façam trabalhos de noite.

Segundo Sandinho, os mais adultos, rapazes, vendem cerveja, “w-panch”, tentação e outras bebidas. As mulheres fazem outros serviços. Na maioria somos de Hulene, mas nem todos.
Sandinho não é o único adolescente que morra naquele local, outro é uma criança de 11 anos de idade que vivia no bairro da Matola «A» com o meu pai e conta-nos que saiu de casa porque o seu pai quando possuído por bebidas alcoólicas, o batia.
«Sai de casa porque o meu pai batia-me quando ficava bêbado. A minha mãe faleceu eu ainda muito novo. Agora tenho 11 anos e na altura, deixei de estudar na terceira classe.» Conta-nos o petiz com voz rouca, sinal de tristeza ao lembrar os episódios dramáticos que relata ter vivido.
Morradores da Ilha, partilhando comida depois de uma luta entre si.
O seu pai, cujo nome, apesar de nos ter revelado, não vamos citar, vive agora na zona da CMC e este garante-nos que conhece a casa.
“Peço dinheiro, nos semáforos ou nos mercados para poder comer e quando chega a noite durmo em frente a Continental”
Segundo a Kulima, citando a rede da criança no país existem 432 crianças na rua, entre  idades de seis a dezanove  anos.






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