Pancho Guedes um dos principais responsáveis pela arquitectura da cidade de Maputo | Foto: http://noticias.sapo.mz/ |
Espanto-me ainda agora por
me ter sido feito o convite para falar de um homem falecido aos noventa anos de
idade. Seriam esses os fantasmas de um homem que ergueu a cidade?
E quando isto calha no
natal, recordo-me das histórias da pacata zona da minha mãe, em Chicumbane, em
Gaza, precisamente na zona do herói nacional Milagre Mabote, antes de eu saber
que ele fora o libertador nacional. Em frente a casa de Mabote, dizia-se que
havia um homem cujo rosto ninguém terá visto, que andava com candeeiros noite a
dentro em volta da casa. Às vezes viam-se algumas botas perseguindo pessoas à
noite. Muitos meus irmãos mais velhos garantiram-me que viveram essas
situações. De resto não posso confirmar porque nunca me atrevi a passar de
noite em frente a essa casa. Coincidentemente, Chicumbane também uma obra de
Pancho Guedes, a Escola e Lar de Enfermeiras / Estudantes de Chicumbane.
Pelo contrário nunca ouvi
que se contasse alguma história do fantasma de Pancho Guedes, em Chicumbane,
muito menos em Maputo. E se o mesmo fosse, então Maputo seria uma cidade em que
não se dorme. Porque desde os Apartamentos Prometheus, na Mão Tsé Tung, ao Leão
Que Ri” na esquina de Kwam Nkrumah e Salvador Allende, passando pelo Munhuana e
Chamanculo até ao Matalane, os monstros de Guedes se impõem.
"Leao Que Ri" obra de Pancho Guedes | Fotos: https://delagoabayworld.wordpress.com |
Todos estes edifícios para
minha felicidade ainda se cruzam no meu olhar de pequeno. E pergunto-me sempre
sem ser grande entendedor de arquitectura como será a pessoa que criou tudo isto?
Um poeta, certamente. Porque
no meu entender de quem navega em obras de ficção e de poesia, só a palavra
sabe fazer tantas curvas com uma particularidade invulgar. Só a palavra, pode
torcer o betão como nos apresenta os edifícios deste arquitecto, como a
especial obra da Igreja Sagrada Família da Machava.
Ele mesmo disse numa
entrevista sobre este edifício:
Tem um plano como um crucifixo. É uma igreja se transformando
em cruzes nas extremidades e entradas. É uma casa de uma mãe cercado por
crianças em chapéus engraçados, salão de festas com um telhado como um barco.
Este navio de vida vigiado por quatro bidireccionais cruzes de gordura, com um
periscópio lado assistindo ao longo de um mar de árvores e uma caixa de olhos
sino rodado tocando aos quatro ventos, é uma casa de paredes de rolamento
transformando-se em cantos, fendas e concavidades, para homens velhos no sol,
para esconde-esconde jogos, para os amantes, para jovens gangues.
Igreja Sagrada Familia da Machava | Foto: www.housesofmaputo.blogspot.com |
Olhem quão poéticas são as
palavras nosso homem. Há registo de que experimentou-se na poesia como tal. Mas
preferiu que isso ficasse como mistério. Eu próprio nunca li um poema seu, mas
algumas frases suas garantem-me que era um poeta fervente.
No entanto Pancho Guedes
tinha razão de ser um arquitecto particular com um elevado grau de estética e
elegância. Destacou-se como pintor desde os tempos de estudante na África do
Sul.
ALPOIM PANCHO GUEDES, como
assina os quadros, dizia ele, é o “filho” de Pancho Guedes, o executante, o
“responsável por toda a obra, excepto o betão armado”. É também o historiador e
o arquivista: é ele quem guarda os desenhos, as pinturas, as esculturas, as
fotografias sobreviventes, que se tornam cada vez mais a cada dia que passa.
E foi muito longe como
pintor ao participar em eventos importantes, como Bienal de S. Paulo, Brasil,
em 1961, estando também presente na Bienal de Veneza no ano de 1975. Em 1962
participa no 1º Congresso de Arte Africana em Salibury, Rodésia, com a
comunicação “The Auto-Biofarcical hour” onde apresenta pinturas, esculturas e
outras obras que despertam um enorme interesse. Em 1987 teve uma exposição de
desenhos e pinturas na Galeria Cómicos, em Lisboa, Portugal.
Obra de Pancho Guedes | Foto: http://taputovaiparamaputo.blogspot.com/ |
Pertenceu ao "Team
10", dissidente do CIAM, Congresso Internacional de Arquitectura Moderna.
Esse é o Pacho de que se impede a sua ausência na história da arquitectura do
século XX. Uma arquitectura anti-colonial, mas também não africana. Seus traços
não têm Portugal por exclusivo nem Moçambique nem África do Sul. As obras de
Pancho têm um lugar que só dentro de si se conhece.
Daí ser desafiador hoje a
Minerva nos propor esta exposição para vermos com outros olhos a obra do homem
que recusou a morte e que deu vida à pedra.
Matola, 15 de Dezembro de
2015
*Texto apresentado na inauguração da exposição sobre Pancho Guedes na Minerva, em Maputo.
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