Por Eduardo Quive
NOTA EXPLICATIVA
Em cinco artigos distintos, proponho-me a falar de um dos mais importantes grupos de Rap da Matola e, porque não, de Moçambique. Os XITIKU NI MBAWULA. Todas as sextas-feiras poderemos debater a partir das ideias em que se compõe este grupo, sobre outros grupos nacionais que fazem este estiluo musical. Comentários, críticas e ideias serão bem vindos de modo a que o aqui apresentado seja de concesso de todos.
S-Gee e Dingzwayu. Dois
líricos, sociólogos e antropólogos ou detetives suburbanos. Seja como for, o
que estes dois jovem são é o que o Patrice Lumumba e Singathela, dois bairros suburbanos,
moldaram nos anos 90, tornando-os em lendas vivíssimas, cujos contornos da sua
arte é sem sobras de dúvidas um paradigma poético puramente suburbano.
Quem conhece os Xitiku Ni Mbawula, com certeza entende
que a sua música tem um espaço, no entanto, curiosamente, é intemporal. Aí está
o suco e o factor de interesse na música desta “banda” jovem que dá uma
originalidade ao nosso modo de fazer rapper.
Patrice Lumumba é um bairro do
município da Matola, província de Maputo. A avaliar pela geografia das línguas
nacionais, é um território dos ma-rongas. Mas esse é um mito crer nisso nos
tempos actuais. A Matola já é uma cidade potencialmente económica e com vários
espaços residenciais, isso permite uma mistura de cores, etnias e, até
nacionalidades. E Patrice Lumumba, como um dos mais antigos bairros e dos mais
populosos que a Matola tem, obviamente é um ponto de convergências dessas
culturas. Aliás é essa intrínseca ligação que dá uma especialidade ao Xitiku Ni Mbawula. O facto de Diguizuayu
ser de uma família que tem as origens na província de Inhambane, ainda na zona
Sul do país e ter fluência na língua xi-Chopi (pela ligação familiar) e o
xi-Ronga, a língua pela qual vive e convive na Matola e, por outro lado, SG ser
um nativo, também falante do xi-Ronga, faz dessa união, uma perfeita combinação
etnolinguística.
Porém os rapazes não pararam
nesse intercâmbio linguístico. Musicalizaram as línguas, ao estilo Hiphop, já
que nos ritmos já eram cantadas. Seja por isso se calhar, o Xitiku Ni Mbawula uma referência no uso
das línguas nacionais para cantar num estilo que, como é sabido, vem dos guetos
dos negros americanos (ou afro-americano, como passam a ser chamados).
Certamente, ao fazer essa
escolha, inteligente, não fizessem ideia do fenómeno artístico em ebulição. Até
porque na altura em que surgem, a maior preocupação seria o entretenimento
entre locais. Lembro-me aliás, de acompanhar os pequenos exercícios de
improvisação na varanda da casa do Dingzwayu na Rua “O”, actual avenida
Mártires da Machava e os pequenos jam session´s
que vieram a ser realizados a partir dos cinco últimos anos nas ruas do bairro.
Nesse período o grupo já tinha levantado o voo, portanto, era já motivo de
aglomeração das massas a sua aparição. Mas não nos esqueçamos, em Moçambique o
Hiphop ainda não é arte das massas, pelo que os adolescentes e alguns jovens é
que mais afluíam nesses pequenos espectáculos de rua.
Mas analisar este grupo quanto
ao espaço e conteúdo (intemporal, como já referi), é o que me move nesta
incursão.
Sem nenhum álbum ainda no
mercado, as suas músicas, facto curioso, são de conhecimento de um público
nacional e internacional. Pouco tocado nas rádios, a não ser o privilégio do
nobre programa de música do estilo Hiphop da Rádio Cidade, aí vem ao topo o nível
de pessoas que os seguem. A música destes jovens artísticas, já circula em
telemóveis e computadores de muita juventude e até dos mais adultos. Mas como
entender esse “bum” quase que silencioso de um género posto a parte em
Moçambique?
Conteúdo e método. Daí vem a
explicação. O Xitiku Ni Mbawula pauta
por discussão e reflexão dos problemas típicos da periferia suburbana, uma vez
que, voltando a questão ultrapassada, nascem num contexto e num lugar em que
problemas de saneamento, alguma criminalidade, inculturalidade ou imoralidade,
entre outros males típicos de um lugar onde a cidade espreita, é que inspiram
para a sua necessidade de cantar.
Portanto, o povo tem nas suas
mãos dois músicos que se tornaram um, através de um agrupamento que, inclusive,
o nome é tradicional, Xitiku Ni Mbawula
– conversas em volta da lareira -, traduzido literalmente. A sua música é
cantada nas línguas em que os dois artistas cresceram: xi-ronga e xi-Chopi,
sendo a última língua a face do Dingzwayu e a segunda, do S-Gee.
Em Xitiku Ni Mbawula, encontramos os males sociais, a precariedade das
condições de vida no Patrice, Singathela e até no país em geral como se referem
numa música intitulada “Dingzwayu ani zitu” (Dingzwayu tem a palavra) em
que os dois, fazem a radiografia de vários problemas ligados aos desafios do
desenvolvimento do país acompanhado por abandono dos hábitos e costumes e até
do respeito à condição humana do povo.
Ao escutar a música deste agrupamento
o povo tem, portanto, quatro (4) elementos de uma só vez, o bom ritmo, a
mensagem cuidadosa e rigorosamente elaborada, a tradição/línguas nacionais e a
estranheza de em tempos em que há um abandono “aparente” às línguas moçambicanas,
um grupo de jovens estudados, aposte na reformulação dos hábitos. Não seja por
isso, encontramos em S-Gee, uma voz musicalizada, com uma boa entoação dos
coros, quase que nostálgico e em Dingzwayu a abordagem dos paradigmas da
Matola suburbana com a maturidade de um idoso conselheiro. Todos estes
elementos, fazem da música de Xitiku Ni
Mbawlua, única entre o variado
talento que a Matola tem. Falo de casos de Filipe Nhansavele, Eugênio Mucavele,
Bob Lee até aos mais jovens Edu, Mahel, Iveth, Azagaia, Inocêncio Matola e o
internacionalmente reconhecido, baixista, Neco Novella, outros nomes que apenas
requerem atenção para se descobrir que esta cidade tem arte.
Contar a história de um grupo
como Xitiku Ni Mbawula, é um acto quase
que inesgotável, porém, proponho-me a falar dessa “banda” de Hiphop da Matola,
cidade satélite, o maior parque industrial que Moçambique tem. Em mais etapas
seguir-se-ão os dados que tornam este agrupamento numa referência e pioneira do
estilo hiphop num país onde este estilo musical ainda sobre alguma
hostilização.
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