Por Eduardo Quive
- (Maputo) -- Falando nas cerimónias do dia da Língua Portuguesa e da Cultura da CPLP, o ministro da Cultura, Armando Artur, deu a conhecer que o Governo de Moçambique está interessado em ratificar e adoptar o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa que poderá custar 111 milhões USD. Entretanto, refere ainda o ministro, que a falta de clareza sobre o que se pretende com o acordo e o que se apreende do mesmo, fez com que o governo moçambicano resolvesse criar condições para que a sociedade moçambicana pudesse ter a noção exacta deste instrumento antes que se ratificasse no País.
Assinalou-se no dia 05 de Maio o dia da Língua Portuguesa e da Cultura da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e Maputo a data teve o ponto mais alto das celebrações no Centro Cultural Brasil – Moçambique, onde vários representantes da dos países membros da CPLP fizeram-se presentes.
A comemoração do 5 de Maio, como dia da “Língua Portuguesa e a Cultura da CPLP”, resulta duma decisão saída do XIV Conselho de Ministros da CPLP, realizado em Junho de 2009, em Cabo Verde.
Nesta data, os ministros dos Negócios Estrangeiros e das Relações Exteriores recomendaram aos Estados-membros, às instituições da CPLP, aos Observadores Associados e Consultivos e às diásporas dos países da CPLP, a comemoração do Dia da Língua Portuguesa e da Cultura da CPLP, tendo em vista a sua afirmação crescente nos Estados membros e na Comunidade internacional, pelo facto de a língua portuguesa constituir, entre os povos da comunidade, um vínculo histórico e um património comum resultantes de uma convivência multissecular que deve ser valorizada, como também, a língua portuguesa é um meio privilegiado de difusão da criação cultural entre os povos que falam português e de projecção internacional dos seus valores culturais, numa perspectiva aberta e universalista.
Entretanto, as principais atenções nos últimos tempos sobre a Língua Portuguesa, estão na sua evolução, transformações e a adaptação dos povos falantes, nas novas modalidades e uniformização.
Aliás, ainda nestes tempos, a CPLP, tem se mostrado preocupada com a questão da unificação da expressão portuguesa, levando-se com seriedade o debate sobre o Acordo Ortográfico, um instrumento que poderá por fim às diferenças entre os falantes da Língua Portuguesa.
Seja por isso, que o ministro da Cultura moçambicano, Armando Artur, no seu discurso no evento de celebração do 5 de Maio em Maputo, destacou a posição do Governo de Moçambique sobre a ratificação ou não deste documento.
Armando Artur, quebrou o silêncio que pairava sobre o assunto no País, e pela primeira vez, mostrou alguma posição do governo moçambicano sobre o que o mundo falante da Língua Portuguesa tem se mostrado preocupado e que até já avançou que decisões concretas, como o caso de Brasil e Portugal, que já estão a implementar este novo modelo da língua, inserido no Acordo Ortográfico de 1990.
“É pois, na sequência da dissonância, ou seja, da falta de clareza, sobre o que se quer com o acordo e o que se aprende do mesmo, que o governo moçambicano resolveu criar condições para que, antes da sua ratificação, a sociedade moçambicana pudesse ter a noção exacta do que é o acordo ortográfico da Língua Portuguesa. Para tal, esforços deverão ser envidados no sentido de disseminar este acordo por todos os sectores alvo. É também designo do governo saber ao certo os custos que advirão da adopção da nova ortografia, embora esta questão fique para etapas subsequentes.” Disse o ministro.
Apesar destas palavras, Armando Artur, deu a conhecer a posição do governo sobre a aplicação do documento que visa unificar a língua, no seio dos membros da CPLP.
“Vamos ratificar o acordo, sim, mas antes o mesmo deve ser do conhecimento dos moçambicanos. O Governo não está alheio também à necessidade de padronização da ortografia das línguas nacionais. O trabalho que está sendo feito pela academia no sentido de harmonizar e disseminar a grafia das línguas moçambicanas, tem merecido de nós o mesmo cometimento que temos para com a língua portuguesa. As línguas nacionais não só constituem património nosso, como são um instrumento indispensável na formação e educação dos nossos concidadãos.”
Por outro lado, o governante, serviu-se da ocasião, para os estudiosos trabalharem com afinco, na divulgação do verdadeiro sentido do documento em causa, principalmente nas principais fontes do exercício de expressão da língua na sociedade, enaltecendo, igualmente, a oportunidade de debate criada, ainda no âmbito das comemorações da efeméride.
“Com encontros desta natureza, com debate e troca de informação, devem ser multiplicados pelo país, de modo a que o professor, no distrito mais longínquo, ou o funcionário público, nos actos administrativos, tenha a noção exacta da nova ortografia a adoptar. A disseminação do conteúdo do acordo ortográfico é uma premissa a que o governo não abre mão.”
Implementação do novo Acordo Ortográfico vai custar cerca de 111 milhões USD em Moçambique
Ainda para celebrar o dia Língua Portuguesa, foi promovido um debate sobre vários assuntos ligados a esta língua em Moçambique.
O processo para a ratificação do Acordo Ortográfico em Moçambique, foi um dos temas debatidos, tendo como orador, o Presidente do Fundo Bibliográfico da Língua Portuguesa, Lourenço do Rosário, que deu a conhecer as principais vertentes deste documento.
Lourenço do Rosário centrou a sua dissertação nos custos e implicações da ratificação do Acordo Ortográfico no País, mostrando num contesto real sobre a capacidade de Moçambique de entrar na esfera doutros países da CPLP, no caso concreto do Brasil que dentre Portugal, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, países que apesar de já terem ratificado o acordo, ainda não criaram um cronograma de implementação das novas regras. Até 2012.
Entre Portugal, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, os portugueses desde 2009 começaram a implementar as modificações, mas no entanto, assumem a missão de incorporar as novas regras em todo sistema do funcionamento do país, até 2015.
No entanto, fora desses dois países, Brasil e Portugal, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, apenas ratificaram e ainda não implementaram o novo modelo, as situações destes países, difere-se com a de Moçambique, Angola, Guiné – Bissau e Timor-Leste, países que ainda não formalizaram a sua concórdia.
Uma das missões da comissão de investigadores moçambicanos é descobrir as formas de implementação do Acordo Ortográfico em Moçambique e identificar o período necessário para que se efectuem todas as modificações necessárias.
“a comissão vai preparar o documento e entregar ao governo e só para arrancar, depois da ratificação, para preparar todo processo todo o processo para que o acordo entre em vigor é preciso saber-se em quantos anos Moçambique vai ser capaz de implementar as várias etapas, até chegar uma fase em que se vai dizer que está concluído o processo e entre em vigor o Acordo Ortográfico.” Disse do Rosário.
Ainda no seu discurso, o Presidente do Fundo Bibliográfico da Língua Portuguesa, disse que a implementação do novo acordo, vai custar 111 milhões de dólares.
“São várias etapas que se vai passar, sendo que os custos são de cerca de 111 milhões de dólares, valor que o governo terá que arranjar, não sabemos como.”
Questionado se Moçambique não estará a caminhar a passos lentos para a ratificação do acordo, Lourenço do Rosário disse “não me parece que estamos atrasados, penso que estamos a dar passos prudentes para que não faça passos com o pé mais do que a perna não nos guiemos pelos países que já estão a implementar, porque eles são capazes”.
“O Brasil tem capacidade de implementar imediatamente o Acordo Ortográfico e já está a implementar, mas Portugal, com as potencialidades que tem, definiu seis anos para implementar por completo o acordo e Cabo Verde, país pequeno, está a fazer o processo com os passos de Portugal. Portanto, só o Brasil está a implementar o Acordo Ortográfico, Angola ainda não ratificou, não sabemos qual é a posição de São Tomé e nem da posição de Guiné-Bissau que já ratificaram e não temos visto o desenvolvimento.” Disse.
Entretanto, ainda não se sabe no concreto, sobre os anos que Moçambique precisará para implementar as regras do novo Acordo Ortográfico, sendo que pelas previsões da comissão moçambicana para este processo, pode vir a ser de 10 anos.
Mas segundo Lourenço do Rosário, ainda há um trabalho intensivo a se fazer com vista a se saber o que de facto mudará.
“Temos que fazer um trabalho científico de vocabulário comum para sabermos o que vai mudar. O Brasil, por exemplo, vai modificar 0.9 do seu vocabulário comum e Portugal 1.9 e no nosso caso, ainda não temos recenseado lexicalmente o que vamos modificar. Se quisermos seguir os outros, uma vez que usamos as normas do português padrão, podemos seguir o Portugal. Mas será que isso corresponde ao português falado em Moçambique?”
A Língua Portuguesa é ou poderá ser uma Língua Moçambicana (izada)?
Esta foi a questão de fundo da dissertação do docente da Faculdade de Letras e Ciências Sociais na Universidade Eduardo Mondlane (UEM), Gregório Firmino, que defendia igualmente haver aspectos Linguísticos Sócio-simbólicos que justificam o pressuposto de que a Língua Portuguesa está num processo de nativação, justificando-se assim a sua moçambicanização.
A explanação deste docente, no que diz respeito a nativação da língua, teve base com os fundamentos do especialista Kachru que define esse processo, também chamado de indigenização ou endogeneização.
“Pode ser definida como um processo de aculturação através do qual uma língua ex-colonial se aproxima do contexto sócio-cultural de um país pós-colonial. Através da nativização, uma variedade não-nativa é culturalmente integrada na ecologia social da pós-colónia e adquire novas funções sociais. Além disso, ela desenvolve inovações linguísticas que ganham significado comunicativo e social no contexto destas novas funções.”
Gregório Firmino, defende que essa nativação é motivada pelo uso da expressão língua(s) moçambicana(s)/língua(s) naciona(l/is) como referência às línguas bantu (nunca tratadas como línguas étnicas) e pelo uso da expressão língua oficial como referência à LP (nunca tratada como língua nacional/moçambicana, apesar de ser símbolo da unidade nacional
Resistência/Contestação/problematização do uso da Língua Portuguesa.
“África tem um problema único que deriva da sua situação multilingue e do facto de haver línguas ex-coloniais lutando pela supremacia no continente. Uma vez que estas muitas línguas estrangeiras são conhecidas por um número insignificante, a única forma de trazer muitos africanos para as nossas próprias iniciativas de desenvolvimento é através da mudança na política linguística. Nós devemos desenvolver as nossas línguas para se conseguir uma efectiva comunicação com as massas. Nós propusemos o Kiswahili como a língua mais adequada para ser desenvolvida como língua para a união africana. Se tal for não fácil de obter a curto prazo, podemos desenvolver inicialmente um número de línguas africanas. Para este fim, podemos escolher Hausa na África Ocidental, Árabe no norte; Zulu na África do Sul, Kiswahili na África Central e Oriental, ao mesmo tempo que se encoraja o desenvolvimento contínuo do Kiswahili. Se, por razões válidas, Kiswahili não é aceitável, eu votarei por uma outra língua, desde que seja uma língua africana”
Por outro lado, Gregório Firmino ainda continua a questionar sobre a situação do Português e se até onde a visão generalizante de estudiosos africanistas se enquadra ao caso do Português em Moçambique?
Gregório também questiona se pode haver uma língua que seja símbolo da nação/língua da unidade nacional sem ser língua nacional e por que geralmente não se aceita a designação línguas nacional/língua moçambicana para o Português?
“O Português em Moçambique pode ser visto como um continuum que oscila desde as formas do “mau” Português (pejorativamente chamado pretoguês) até às formas mais próximas do Português europeu” respondeu.
Outro tema discutido no debate do dia da Língua Portuguesa e Cultura da CPLP, foi sobre a Língua Portuguesa no contexto multilingue – desafios da educação, dissertado por Albertina Moreno, membro da Comissão Nacional do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP).
O que é Acordo Ortográfico e quais são os principais fundamentos da sua implementação na CPLP?
A ortografia da língua portuguesa é regida por um conjunto de normas oficiais sob a forma de acordos ortográficos. No início do século XX surgiu em Portugal e no Brasil a intenção de estabelecer um modelo de ortografia que pudesse ser usado como referência nas publicações oficiais e no ensino em ambos os países, iniciando-se assim um longo processo de tentativas de convergência das ortografias usadas em cada país.
No ano de 1943, realizou-se em Lisboa um encontro entre os dois países, com o objectivo de uniformizar os vocabulários já publicados, o da Academia das Ciências de Lisboa, de 1940, e o da Academia Brasileira de Letras, de 1943. Deste encontro resultou o Acordo Ortográfico de 1945, que, no entanto, apenas entrou em vigor em Portugal, não tendo sido implementado no Brasil, que continuou a reger-se pelas regras expostas no Vocabulário Ortográfico de 1943.
Em 1986, foi feita, no Brasil, uma nova uniformização da ortografia, sem que se tivesse chegado a consenso. Nos anos seguintes, fruto de um longo trabalho desenvolvido pela Academia Brasileira de Letras e pela Academia das Ciências de Lisboa, os representantes oficiais de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe assinaram o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, ao qual adere também, depois da sua independência em 2004, Timor-Leste. O Acordo Ortográfico de 1990 entrou em vigor, no início de 2009 no Brasil e em 13 de Maio de 2009 em Portugal. Tudo indica que os restantes países da CPLP o implementarão em breve.
Constituem argumentos a favor do Acordo Ortográfico, assinado em 1990, a aproximação da oralidade à escrita, simplicidade de ensino e aprendizagem, unificação de todos os países de língua oficial portuguesa, fortalecimento da cooperação educacional dos países da CPLP, evolução da língua portuguesa e pequena quantidade de vocábulos alterados (1,6% em Portugal e 0,45% no Brasil).
Contra, estão os argumentos sobre a evolução não natural da língua, tentar resolver um “não – problema”, uma vez que as variantes escritas da língua são perfeitamente compreensíveis por todos os leitores de todos os países da CPLP; desrespeito pela etimologia das palavras; a não correspondência da escrita à oralidade. Por exemplo, existem consoantes cuja função é abrir vogais, mas que o novo acordo considera mudas nomeadamente em tecto, passando a escrever-se teto, dever-se-ia ler como teto (de seio); processo dispendioso (revisão e nova publicação de todas as obras escritas, os materiais didácticos e dicionários tornar-se-ão obsoletos, reaprendizagem por parte de um grande número de pessoas, inclusive crianças que estão agora a dar os primeiros passos na escrita).
Por outro lado o facto de não haver acordo, facilita o dinamismo da língua, permitindo cada país divergir e evoluir naturalmente, pelas próprias pressões evolutivas dos diferentes contextos geo-sócio-culturais como no caso do Inglês ou do Castelhano; afecto com a grafia actual e falta de consulta de linguistas e estudo do impacto das alterações.
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