segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Juíza com dificuldade para achar “ladrões” do Estado


A estratégia da juíza Manuela Oliveira falhou logo no início, ao pensar que havia cercado Berta Manuel, ex-chefe do departamento da contabilidade pública nas Finanças da província de Maputo, que teria permitido os saques orquestrados pelos seus subordinados, nomeadamente Ermelinda de Barros e Mário Tique, tidos como “cabecílias” da mega “batida” que lesou o Estado moçambicano em cerca de 2.8 milhões de meticais em 2005, processo 27/2007.

Por Eduardo Quive
Foto de Rogério Manhique


Retomado que foi o julgamento dos 35 “ladrões” no roubo de fundos do Estado ocorrido entre 2004 e 2006, num processo que está nas mãos da Justiça desde 2007, as coisas complicam-se cada vez mais, a avaliar pelas revelações dos arguidos.
A ordem do julgamento seguia a divisão em grupo de cinco réus por dia, cujo primeiro a ser ouvido foi o maior acusado, Mário Tique, que ex-chefe da repartição de despesas na Direcção Provincial de Plano e Finanças de Maputo, numa notável estratégia de “fechar o cerco a leoa”, pois seria esta a mandatária da mega “batida”, uma vez ser chefe do departamento na altura da roubalheira ora em julgamento.
Mas as coisas não aconteceram como previa Manuela Oliveira, juíza que está na missão de decifrar os mistérios por detrás do roubo, uma vez a ré Berta Manuel, que estrategicamente foi colocada para o último dia, recusou todas acusações que pesam contra si, colocando em causa a única esperança que o réu Mário Tique teria de se livrar do mesmo processo, conforme confia o seu advogado, Adão Baja.
Enquanto isso, Mário Tique e Ermelinda Barros ainda e tido como a figura que convidou todos envolvidos para a acção, chefiando assim a cúpulas dos possíveis ladrões do Estado.
Logo na segunda-feira, mais três dos cinco réus ouvidos na Matola pelo Tribunal Judicial da Província de Maputo, voltaram a apontar o co-réu Mário Tique, então chefe da Repartição de Despesa no Plano e Finanças, como a pessoa que supostamente orquestrava todas artimanhas que culminaram com a retirada ilícita de fundos do Estado para beneficio próprio e companhia.
Mário Chaguala, na altura director da Escola Primária Unidade “H”, no mesmo Município da Matola, disse, em declarações ao tribunal, que ao se aperceber da existência de mais de 100 mil meticais na conta da escola sob sua alçada, em 2005, entrou em contacto com Mário Tique para saber mais detalhes sobre o dinheiro a mais.
Afirmou que foi nessa altura que teve a indicação do técnico das Finanças para levantar o dinheiro, passando-lhe depois a metade do valor e o resto aplicá-lo nas despesas da escola.
Por seu turno, a ré Ana Alzira Pires, então técnica administrativa da “Unidade H” confirmou a entrada do valor não solicitado na conta da escola, tendo recebido ordens do seu director para levantá-lo e usar apenas metade em beneficio daquela instituição de ensino, sendo que outra parte deveria ser entregue ao funcionário das Finanças, Mário Tique, pessoa que ela nunca conhecera antes.
Ana Pires confirmou ter levantado mais de 160 mil meticais, valor entregue depois ao director Chaguala, que se encarregou de dar prosseguimento de todo o resto do processo inicialmente combinado.
O réu Isaías Cuamba, ex-chefe da secretaria da Direcção Distrital da Educação em Namaacha, apontou Mário Tique como a pessoa que o contactou em Fevereiro de 2005, para falar da transferência de dois valores para a conta da sua instituição.
O primeiro, de mais de 71 mil meticais e outro de 63 mil meticais, este último não solicitado, cuja metade deveria ser devolvida a Tique.
Disse que tinha informado a então directora distrital, Gilda Lucita, sobre a existência do dinheiro mas que não se referiu à necessidade de se devolver uma parte para o técnico das Finanças, e acrescentou que procedeu à entrega do dinheiro a Mário Tique no Alto Maé – cidade de Maputo.
Os últimos dois réus, Lino Fernando Arone e Ana Francisco Sitoe, assistente técnico e directora-adjunta Pedagógica da Escola Primária da Matola-Rio, respectivamente, disseram, por sua vez, que em nenhum momento tinham sido contactados pelo co-réu Mário Tique e que tinham recebido a informação sobre a retirada ilícita do dinheiro do Estado na Polícia de Investigação Criminal (PIC), onde foram chamados para prestar depoimentos iniciais em 2007.
Ana Francisco Sitoe disse que chegou a assinar alguns cheques mas o fazia a mando do então director da escola, José Jorge Massingue, já falecido, alegadamente para pagar salários dos professores, não estando em condições de aceitar ou negar se parte dos valores eram para fins ilícitos.

Na sessão da terça-feira finda foram ainda ouvidos outros cinco réus, nomeadamente Nóe Mathe, então director distrital da Mulher e Acção Social, Lizete Cármen Ouana, Inácio Joaquim Balate, Alberto Nhama Mabore e Alexandre Germano Manhiça.

Nesse dia, ascendeu para quatro o número de réus que confessam ter recebido dinheiro ilícito transferido da Direcção Provincial do Plano e Finanças de Maputo para, de seguida, repartirem-no pela metade com o técnico desta instituição, Mário Tique, a quem recai toda culpa desta mega “batida”.
Na mesma sessão foram ouvidos cinco réus, dois dos quais confessos. Alberto Nhama Mabore, ex-chefe da secretária da Escola Secundária de Machava Bedene - Matola, e Lizete Cármen Ouana, ex-chefe da repartição de administração e Finanças na Direcção Provincial da Mulher e Acção Social, que receberam 94 e 20 mil meticais, respectivamente.
Lizete Ouana disse que recebeu 20 mil meticais das mãos do seu colega Cristiano Edgar Rafael, na altura seu colaborador directo, a quem acusa de ter estado à frente de todo o esquema que culminou com a divisão fraudulenta de 120 mil meticais entre técnicos das Finanças e da acção social.
Segundo contou, tudo aconteceu em Janeiro de 2005 depois das férias, quando foi informada da existência dum valor na conta da sua instituição. O dinheiro tinha sido solicitado para a compra de cabazes do natal.
Entretanto, segundo disse, viria a saber mais tarde que o montante não era mais destinado àquele fim, devendo para isso ser repartido.
Lizete Ouana acrescentou que achando a situação pouco suspeita, reuniu-se com o então director provincial, o co-réu Noé Mathe, pessoa que reconheceu a existência do dinheiro, mas que já tinha ordenado para ser devolvido à proveniência, o que não aconteceu porque dias depois viria a receber 20 mil meticais das mãos de Cristiano Rafael, numa altura em que todos envolvidos no esquema já o teriam recebido.
Declarações do género tinham sido feitas, horas antes, por Noé Mathe, réu que negou o seu envolvimento em qualquer esquema que tivesse como finalidade o desvio de fundos do Estado.
Mathe disse que havia solicitado um fundo para cabazes em Dezembro de 2004. Numa primeira fase foi dito que não havia cabimento orçamental, para, em Janeiro de 2005, ouviur do seu colaborador Cristiano Rafael que tinham sido depositados 120 mil meticais em resposta ao pedido efectuado no mês anterior.
Mathe contou que uma vez passada a quadra festiva, ordenou a devolução do dinheiro, tendo assinado um cheque em nome de Cristiano Edgar Rafael, que já se tinha prontificado a cumprir a ordem, num procedimento que reconheceu igualmente ser anormal, mas fê-lo supostamente porque o colega garantiu que a ideia tinha sido de um quadro sénior das Finanças, Mário Tique (o arquiteteto).
Mais tarde veio aperceber-se da existência de 15 mil meticais na sua conta, valor que usou acreditando tratar-se de dinheiro referente ao pagamento de ajudas de custo que esperava receber em virtude de ter efectuado viagens de trabalho não remuneradas.
Alberto Nhama Mabore, outro réu-confesso, disse em sede do tribunal que recebeu uma chamada de Mário Tique informando-lhe da existência de 188 mil meticais acima da quantia solicitada para o pagamento de um dos meses do primeiro trimestre de 2005. Teria sido a mesma pessoa que o coagiu a retirar o dinheiro e dividi-lo pela metade, ficando com 94 mil meticais que usou para fins próprios.
Outros dois réus ouvidos naquela data foram Inácio Joaquim Balate, então chefe de secretaria da Escola Primária de Campoane, Matola-Rio, e Alexandre Manhiça, então director da Escola Primária Completa da Matola C.
O primeiro disse que soube dos desfalques quando foi solicitado a prestar declarações na PIC e que tudo tinha sido feito pelo seu colega, Fernando Paulo Tinga, já falecido.
Já no último dia das audições da semana finda, a tão esperada presença da ré Berta Manuel, chefe do Departamento de Contabilidade Pública na Direcção Provincial de Finanças de Maputo, e Madalena Ouana, então operadora de dados na mesma direcção, não foi ao encontro com as metas do planificado pelo tribunal, pois estas, se distanciaram do seu envolvimento no desvio de 2.8 milhões de meticais, cujas penas dependerão da juíza que neste momento ensaia as mesmas.
Deste modo, estas duas rés aliam-se aos seus colegas Ermelinda Barros e Mário Tique, este último “o cérebro” do desvio, como um grupo injustamente acusado.
Berta Manuel, a primeira a ser ouvida, começou por dizer que não sabia das razões porque era acusada, uma vez que durante o exercício da sua missão nunca havia assinado processo com irregularidades.
Afirmou que também nunca deu ordens para o cancelamento de um pedido de financiamento proveniente duma instituição para, de seguida, dar prosseguimento e autorizar o pagamento ou transferência do dinheiro inicialmente solicitado.
Acrescentou que se apercebeu da existência deste problema quando uma equipa de inspecção do Ministério das Finanças deslocou-se à direcção provincial para o cruzamento de dados, tendo se detectado que havia sete títulos cancelados no sistema, mas que haviam sido pagos.
Segundo explicou Berta Manuel, tal situação deveu-se ao facto de as notas de pagamento ficarem guardadas no Tesouro e apenas os justificativos é que eram devolvidos à repartição de contabilidade pública. Ajuntou que apenas teve conhecimento das transferências não autorizadas com a chegada de uma acusação contra si em 2005.
A outra ré, Madalena Ouana, que até 2005 era operadora de dados na direcção de finanças, distanciou-se afirmando que apenas cumpria ordens emanadas pelos órgãos de chefia da instituição onde trabalhava.
Explicou que todas transferências de dinheiro eram feitas tendo como base as notas de pagamento vindas da Repartição de Contabilidade Pública com o mínimo de cinco assinaturas e os recibos com o nome da pessoa que efectuava a operação.
Questionada pelo Ministério Público sobre a presença do seu nome na maioria dos recibos de transferência, respondeu que recebia a maior parte do trabalho, alegadamente por ser considerada a mais eficiente.
Foram ainda ouvidos os réus Pimentinho Mavie, ex-director da Escola Secundária de Bedene, que disse ao tribunal ter sabido do caso através da directora provincial da Educação, mas que o desvio tinha ocorrido num período em que ele estava ausente. Assumiu que deixava cheques em branco assinados com o administrador da escola, o co-réu Alberto Nhama Mabore, por uma questão de confiança e para facilitar a solução de questões imediatas relacionadas com o funcionamento da instituição.
Na mesma sessão foram igualmente ouvidos os réus Carlos Sambo e António Alberto Sitoe, chefes das repartições da administração interna das direcções províncias de Educação e do Trabalho, respectivamente.
Ambos disseram ao tribunal que o dinheiro transferido, nas quantias de 335 e 158 mil meticais para cada um, tinha sido solicitado para o pagamento de despesas e que possuíam comprovativos que justificavam o seu uso.
A juíza Manuela Oliveira interrompeu por dois dias as sessões de audição para remodelar o esquema das suas emboscadas, devendo retomar os trabalhos na próxima segunda-feira.

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