Nada melhor que recorrer às
palavras de José Pastor, “os poetas são fazedores da alma” título da sua
entrevista no livro “Fazedores da Alma” (certamente inspirado na sua afirmação)
dos escritores/jornalistas Jorge de Oliveira e Marcelo Panguana (1999).
FOTO: Marcos Vieira |
Um dos exemplos flutuantes do embrião música-literatura é o casamento da poesia e a própria música. Muitas vezes associada às artes visuais, incluindo a fotografia, que a Literatura pode ser ouvida num tambor, numa Mbira, Timbila, Xigovia, até aos mais convencionais instrumentos como o Saxofone, Guitarra, Piano, parece mais ocidentalizado que africanizado, pelo menos formalmente. Porque no informal, a minha avó nunca contou-me estórias sem cantar e nunca cantou sem contar estórias. Malangatana, por exemplo, o monstro sagrado das nossas artes plásticas, já veio a confessar que pinta cantando e todos já vimos o “crocodilo” a solfejar.
Tem uma oficina, linha de
olhar, lugar e ambiente, mas é na solidão onde o poeta se transforma em ourives
e lapida palavra a palavra ou pedra a pedra, para ser mais patriótico. E como é
a música?
Em África o nascimento do
verbo foi com os sons. Aqui, Jesus não passou mas Deus sempre esteve e
multiplicou-se em vários deuses. Tudo isso permitiu-nos nunca bater palmas sem
mexer a cintura, aí vem-me a dança, mas também queremos cantar, vêem-me as
histórias e a melodia, vem-me o texto, o poema, o batuque.
Lineu, um bom poeta nosso,
disse a quando do parto do seu “cada um em Mim” (Literatas, 2014) que não
poderia falar da sua poesia sem mencionar Dr. Mussá Rodrigues, o próprio cantor
da província da Zambézia que andou bairros e ruas a fio cantando e contando as
suas histórias, vivências ou peripécias do seu povo. Foi incitador do poema, do
verbo, eis um Nelson Lineu, poeta nosso, com qualidade melódica quase que com
passos de dança e nostalgia a que nos remete Dr. Mussá Rodrigues.
É poesia ou prosa/ é o
compositor, é o intérprete, tanto faz. Há versos com música e música com
versos. Recorre-me agora músicas do álbum “Não é preciso empurrar” dos Ghorwanes,
com a forte mão de Mia Couto e encontramos a música “Moçambipreto” com o
seguinte coro: moçambipreto,
moçambibranco, moçambindiano, moçambimulato. Um poeta é que fez esse texto,
se calhar nas páginas de um livro não faria muito gosto, mas na voz de Roberto
Chitsondzo fez milagres e em cada ouvido há uma semente que cresce. Afinal, é o
casamento da poesia e a música, dois caminhos que sempre deram ao mesmo
destino, numa aldeia onde todos se chamam “fazedores da alma”.
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*Desafiado por Cremildo Bahúle a escrever algo para uma publicação, ele propôs que o tema fosse MÚSICA e LITERATURA. Sem saber o que escrever surgiu-me isto. E decidi partilhar por me ser interessante o desafio.
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