sábado, 24 de agosto de 2013

MÚSICA E POESIA: DUAS FÓRMULAS DO AMOR EM DINO MIRANDA E FILIMONE MEIGOS

Contextualização: Leitura/escuta da música “Eu+Tu=100%” de Dino Miranda e da “Demonstração da função de tipo BA’s²=Merda” de Filimone Meigos.



Casos raros há no nosso país (Moçambique) de se perceber o valor poético da música e, da poesia o valor musical. Muitas vezes, há uma dissociação (forçada) destas duas formas genéricas de fazer a arte e do expressar artístico. Segundo Aristótiles em “Arte Poética”, qualquer escrita artística sem poesia, está despida, automaticamente, do valor que tem como obra de arte.
Portanto, se o músico precisa, no seu exercício, compor a letra e musicalizá-la é importante que ele seja “poeta” para deixar as suas marcas aos que escutam a sua música e, mais do que ficar pelo ouvido, ir para o percebido, apreendido, sentido e sempre recordado. Eis, o sucesso que um artista musical pode gritar, acima de tudo, para si próprio, afinal, não é para qualquer um o talento de sorver a letra e torná-la numa voz suave, rítmica e misteriosa. Nesse processo há, por conjugar, quatro factores: o texto interpretado, o ritmo tocado, a entoação que nos remete à voz e a qualidade da gravação.
A pautar pelo lírico, pura instrumental, ritmo e melodias do afro-jazz com fusão perfeita dos instrumentos tradicionais e convencionais, assim é a dinâmica musical de Dino Miranda, sendo por isso, “vitima” do silêncio das massas, tratamento que os “clássicos” merecem na sociedade como nossa, onde o medíocre vangloria-se pelos cinco segundos de sucesso e, o bom, nem pelos cinco anos de preparo se gaba. Disse já uma escritora de renome sobre este aspecto que já se pode definir como moçambicanidade: estamos num bissnes socity, uma sociedade onde o medíocre é que vale. Essa é a Lília Momplé que já nos segredou estar a preparar mais um título para a sua bibliografia. Já Eugénio Brás, sociólogo, vai justificar o facto como os prazeres e desprazeres da economia do mercado que a arte vem se associando enquanto encontra um Moçambique despreparado para enfrentar os seus desafios.
Mas voltemos à causa desta leitura que se quer como epigramática no sentido lato do termo, ao aliar a música de Dino Miranda à poesia de Filimone Meigos, nomes, ao meu entender, vibrantes das nossas artes. Duas áreas culturais diferentes pelos géneros, porém encontram-se na mesma razão de ser, o sentimento.
Essas características permitem-nos constituir um ponto de partida ou o caminho para os dois conflitos impostos pela temática do músico Dino Miranda em “Eu+Tu=100%” do álbum “Moya wa Kaya” e o poeta Filimone Meigos na sua “Demonstração da função de tipo BA’s²=Merda” do livro “Kalash in Love”.

II
“Eu+Tu=100%”: a experiência matemática de amar

Matemática. É assim que se pode descrever essa forma de amar ou de cantar o amor. Um amar filosófico, com a Química disfarçada de numerações, destroçando a forma como se tem caracterizado o amor. Em Dino Miranda, nessa música em particular, encontramos duas formas/fórmulas de amar: a unicidade e a unidade.
Há uma musa na música “Eu+Tu=100%”, é o que se pode extrair a prior, mas do tema, encontra-se a visibilidade dessa musa. A descrição da forma de amar é uma fórmula para chegar à esse encanto. Afinal, é diferente de dizer “Eu mais Tu é igual a cem por cento”, como podemos entender também que esse homem que diz “longe de ti nada mais importa” encontra-se distante e “perdido no tempo” por falta desse amor que pode “mover canoa parada”, é o mesmo que diz “Eu mais Tu é igual a sem por cento”, pois, há uma preocupação do músico em dizer-nos que precisa de um amor que ainda não está consigo.
Essa forma modular de cantar o amor, na letra (poesia), na música (harmonia) e na equação (símbolos) faz-nos crer que há na música moçambicana uma clarividência na separação do trigo e do joio, ao mesmo tempo que as ditas rádios comerciais (que se pressupõe serem as mais ouvidas), propalam os meros ruídos que apossaram os gostos musicais, encontra-se uma vaga de músicos que pautam pela qualidade no ritmo, harmonia sonora, texto e, consequentemente, no estilo que escolhem.
Portanto, o amor em Dino Miranda, não se reflecte na conjugação das contrapartidas advindas do facto de os dois serem do sexo oposto, vai mais longe, é para além dos corpos, vai para a alma e para a vivência tornando, desse modo, a mulher o fundamento essencial na sua vida (o 100%) que só acontecerá com o que coro diz “ndzili djika oh! ndzili djika oh” (traduzindo literalmente para o português “vira” que também pode compreender-se como a necessidade de “mudar”), evidentemente, acompanhado pelos sons de apitos, tambores entre outros instrumentos que tornam a música simbolicamente africana (nossa), outro elemento que nos remete ao amor tradicional.
Miranda diz, ao fim, que não se pode ter o amor a cem porcento (100%), sem se abdicar de algo, até porque, primeiro, precisamos de entender que mais do que o corpo (sexo - Biologia) a alma é mista (sentimento - Matemática/Química). Não estamos aqui, a lidar com um amor ilusório, a ninfa, deusa intocável. Com a sua música, Dino Miranda, leva-nos aos amores reais, uma pessoa entre si e os outros. 
DINO MIRANDA É A OUTRA FACE DA EXPRESSÃO PEJORATIVA – MÚSICA JOVEM MOÇAMBICANA.

                                                                                        III                                                    
“BA’s²=Merda”: as formulações do amor à pátria

Já das “Demonstração da função de tipo BA’s²=Merda”, o exercício de amar é mais complexo:

1º passo (p’ra frente)
Cápsulas felizes são as tampas que deixam
escorrer espumantes as funcionais dependências
entre o “ we are the world” e os inadiáveis preitos
às índicas lágrimas tuas que da Beira regam
de esperança amor, o enlutado carvão de Moatize.
Do bananal da Gorongosa (de banana-macaco)
chegam-nos leads segundo os quais
faustas bazookas perfuram Gogogo
mórbidas ondas irradiadas por míopes múmias
com óculos de paradeiro incerto
vigiam em desolo o quadrante da derrota
isto quer dizer por indução algébrica que:
MABANDIDO – MABANDIDO = + 2M elevado a
triliões.

A partir deste “1º Passo (P´ra frente)” que é até onde iremos, um poema onde a convergência dos neologismos  já constituídos pelas próprias línguas nacionais tal é o caso da palavra “MABANDIDO”, junção do prefixo MA (típico das línguas xi-Ronga e xi-Chagana no intento de dizer OS) e a palavra em língua Portuguesa BANDIDO. É, portanto, a lírica, acompanhada ao espírito reacionário que se associa o autor perante o cenário conflituoso que vive na sua sociedade. Um poema que, a prior, formula um diálogo entre o poeta, a poesia e o leitor que pode ser o mais pacato cidadão.
O amor nessa “formulação” quase que com um discurso simplista, porém complexo para as linhas do tempo e o fio da criação, interpretação e transmissão da mensagem, leva-nos a compreender a genuinidade do texto apresentado (é moçambicano) e a conclusão do afecto entre o autor e o local onde se encontra. Até porque em mais ambientação, nota-se o assumir do problema apresentado no poema como o problema em que o autor também faz parte. Os amores são assim, cúmplices, redundantes (gozam da propriedade comutativa), junção matemática do “Eu+Tu=100%” e vice-vers(o)a.

Dito isso, resta concluir que tanto em Dino Miranda que canta o amor a mulher, bem como em Filimone Meigos que faz a sua poesia por amor ao país, os processos foram feitos para encontrar-se uma única razão dessa entoação que é mais do que cantar um amor, é cantar as fórmulas desse amor e entender que a indivisibilidade é o resultado certo “a pesar dos pesares” como o povo diz. 




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