Contextualização: Leitura/escuta da música “Eu+Tu=100%”
de Dino Miranda e da “Demonstração da função de tipo BA’s²=Merda” de Filimone
Meigos.
Casos
raros há no nosso país (Moçambique) de se perceber o valor poético da música e, da poesia o
valor musical. Muitas vezes, há uma dissociação (forçada) destas duas formas
genéricas de fazer a arte e do expressar artístico. Segundo Aristótiles em
“Arte Poética”, qualquer escrita artística sem poesia, está despida,
automaticamente, do valor que tem como obra de arte.
Portanto,
se o músico precisa, no seu exercício, compor a letra e musicalizá-la é
importante que ele seja “poeta” para deixar as suas marcas aos que escutam a
sua música e, mais do que ficar pelo ouvido, ir para o percebido, apreendido, sentido
e sempre recordado. Eis, o sucesso que um artista musical pode gritar, acima de
tudo, para si próprio, afinal, não é para qualquer um o talento de sorver a
letra e torná-la numa voz suave, rítmica e misteriosa. Nesse processo há, por
conjugar, quatro factores: o texto interpretado, o ritmo tocado, a entoação que
nos remete à voz e a qualidade da gravação.
A pautar
pelo lírico, pura instrumental, ritmo e melodias do afro-jazz com fusão
perfeita dos instrumentos tradicionais e convencionais, assim é a dinâmica
musical de Dino Miranda, sendo por isso, “vitima” do silêncio das massas, tratamento
que os “clássicos” merecem na sociedade como nossa, onde o medíocre
vangloria-se pelos cinco segundos de sucesso e, o bom, nem pelos cinco anos de
preparo se gaba. Disse já uma escritora de renome sobre este aspecto que já se
pode definir como moçambicanidade: estamos num bissnes socity, uma sociedade
onde o medíocre é que vale. Essa é a Lília Momplé que já nos segredou estar a
preparar mais um título para a sua bibliografia. Já Eugénio Brás, sociólogo,
vai justificar o facto como os prazeres e desprazeres da economia do mercado que
a arte vem se associando enquanto encontra um Moçambique despreparado para
enfrentar os seus desafios.
Mas
voltemos à causa desta leitura que se quer como epigramática no sentido lato do
termo, ao aliar a música de Dino Miranda à poesia de Filimone Meigos, nomes, ao
meu entender, vibrantes das nossas artes. Duas áreas culturais diferentes pelos
géneros, porém encontram-se na mesma razão de ser, o sentimento.
Essas
características permitem-nos constituir um ponto de partida ou o caminho para
os dois conflitos impostos pela temática do músico Dino Miranda em “Eu+Tu=100%”
do álbum “Moya wa Kaya” e o poeta Filimone Meigos na sua “Demonstração da
função de tipo BA’s²=Merda” do livro “Kalash in Love”.
II
“Eu+Tu=100%”: a experiência matemática
de amar
Matemática.
É assim que se pode descrever essa forma de amar ou de cantar o amor. Um amar
filosófico, com a Química disfarçada de numerações, destroçando a forma como se
tem caracterizado o amor. Em Dino Miranda, nessa música em particular,
encontramos duas formas/fórmulas de amar: a unicidade e a unidade.
Há uma
musa na música “Eu+Tu=100%”, é o que se pode extrair a prior, mas do tema,
encontra-se a visibilidade dessa musa. A descrição da forma de amar é uma
fórmula para chegar à esse encanto. Afinal, é diferente de dizer “Eu mais Tu é
igual a cem por cento”, como podemos entender também que esse homem que diz “longe
de ti nada mais importa” encontra-se distante e “perdido no tempo” por falta desse
amor que pode “mover canoa parada”, é o mesmo que diz “Eu mais Tu é igual a sem
por cento”, pois, há uma preocupação do músico em dizer-nos que precisa de um
amor que ainda não está consigo.
Essa forma
modular de cantar o amor, na letra (poesia), na música (harmonia) e na equação
(símbolos) faz-nos crer que há na música moçambicana uma clarividência na
separação do trigo e do joio, ao mesmo tempo que as ditas rádios comerciais
(que se pressupõe serem as mais ouvidas), propalam os meros ruídos que
apossaram os gostos musicais, encontra-se uma vaga de músicos que pautam pela
qualidade no ritmo, harmonia sonora, texto e, consequentemente, no estilo que
escolhem.
Portanto,
o amor em Dino Miranda, não se reflecte na conjugação das contrapartidas
advindas do facto de os dois serem do sexo oposto, vai mais longe, é para além
dos corpos, vai para a alma e para a vivência tornando, desse modo, a mulher o
fundamento essencial na sua vida (o 100%) que só acontecerá com o que coro diz
“ndzili djika oh! ndzili djika oh” (traduzindo literalmente para o português
“vira” que também pode compreender-se como a necessidade de “mudar”), evidentemente,
acompanhado pelos sons de apitos, tambores entre outros instrumentos que tornam
a música simbolicamente africana (nossa), outro elemento que nos remete ao amor
tradicional.
Miranda
diz, ao fim, que não se pode ter o amor a cem porcento (100%), sem se abdicar
de algo, até porque, primeiro, precisamos de entender que mais do que o corpo
(sexo - Biologia) a alma é mista (sentimento - Matemática/Química). Não estamos
aqui, a lidar com um amor ilusório, a ninfa, deusa intocável. Com a sua música,
Dino Miranda, leva-nos aos amores reais, uma pessoa entre si e os outros.
DINO
MIRANDA É A OUTRA FACE DA EXPRESSÃO PEJORATIVA – MÚSICA JOVEM MOÇAMBICANA.
III
“BA’s²=Merda”: as formulações do amor à
pátria
Já das “Demonstração da função de tipo
BA’s²=Merda”, o exercício de amar é mais complexo:
1º passo (p’ra frente)
Cápsulas felizes são as tampas que deixam
escorrer espumantes as funcionais dependências
entre o “ we are the world” e os inadiáveis preitos
às índicas lágrimas tuas que da Beira regam
de esperança amor, o enlutado carvão de Moatize.
Do bananal da Gorongosa (de banana-macaco)
chegam-nos leads segundo os quais
faustas bazookas perfuram Gogogo
mórbidas ondas irradiadas por míopes múmias
com óculos de paradeiro incerto
vigiam em desolo o quadrante da derrota
isto quer dizer por indução algébrica que:
MABANDIDO – MABANDIDO = + 2M elevado a
triliões.
A partir
deste “1º Passo (P´ra frente)” que é até onde iremos, um poema onde a
convergência dos neologismos já
constituídos pelas próprias línguas nacionais tal é o caso da palavra
“MABANDIDO”, junção do prefixo MA (típico das línguas xi-Ronga e xi-Chagana no
intento de dizer OS) e a palavra em língua Portuguesa BANDIDO. É, portanto, a
lírica, acompanhada ao espírito reacionário que se associa o autor perante o
cenário conflituoso que vive na sua sociedade. Um poema que, a prior, formula
um diálogo entre o poeta, a poesia e o leitor que pode ser o mais pacato
cidadão.
O amor
nessa “formulação” quase que com um discurso simplista, porém complexo para as
linhas do tempo e o fio da criação, interpretação e transmissão da mensagem,
leva-nos a compreender a genuinidade do texto apresentado (é moçambicano) e a
conclusão do afecto entre o autor e o local onde se encontra. Até porque em
mais ambientação, nota-se o assumir do problema apresentado no poema como o
problema em que o autor também faz parte. Os amores são assim, cúmplices,
redundantes (gozam da propriedade comutativa), junção matemática do “Eu+Tu=100%”
e vice-vers(o)a.
Dito isso,
resta concluir que tanto em Dino Miranda que canta o amor a mulher, bem como em
Filimone Meigos que faz a sua poesia por amor ao país, os processos foram
feitos para encontrar-se uma única razão dessa entoação que é mais do que
cantar um amor, é cantar as fórmulas desse amor e entender que a
indivisibilidade é o resultado certo “a pesar dos pesares” como o povo diz.
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