Professora Lanie Millar |
A professora de literaturas lusófonas da Universidade de
Oregon, nos Estados Unidos da América, Lanie Millar, está em Maputo para
conhecer de perto a situação literária moçambicana. De entre várias acções de
bastidores, Lanie Millar teve dois encontros com escritores filiados à
Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO) e depois, com jovens escritores,
aspirantes e estudantes de letras no Centro Cultural Martin Luther King Jr.
À margem dos dois encontros, surgiu a entrevista que se
segue, onde a professora faz uma radiografia do ensino de literaturas africanas
lusófonas nos Estados Unidos e as possibilidades que a literatura moçambicana
tem de se expandir no exterior.
Está em Maputo há vários dias e manteve encontros com
escritores e demais intervenientes das artes e letras. Que resultados conseguiu
obter?
- Estou em Maputo
para explorar e saber o que está-se a discutir, que temas interessam as
pessoas, qual é a situação da literatura, dos escritores, dos jovens, os
estudos literários em Moçambique e tudo isso tem sido muito informativo.
Primeiro tive encontro com escritores da AEMO, depois com jovens para escutar
as principais questões e informações sobre o estado da literatura ou as
publicações das obras e a circulação das revistas literárias.
Que preocupações levantadas pelos escritores filiados à AEMO
poderão ser úteis para si?
- Os escritores
falaram da situação educativa que tiveram, da disponibilidade dos livros, dos
movimentos e ideias utópicas que tiveram nas primeiras décadas, depois da
independência em 1975, e falaram um pouco como é que mudou a situação dos
escritores jovens, da situação de acesso dos escritores jovens às bibliotecas,
o gosto pelos livros, o processo das mudanças dos modelos de publicação e a
necessidade de ter encontros e espaços de conversa não apenas entre os
escritores mais jovens, também com os mais velhos.
Mas antes da sua vinda que informações tinha sobre o
país, tendo em conta que é professora de literaturas africanas de língua
portuguesa?
- Basicamente o que
tive foi através dos livros. Li sobre a história colonial do país, a
independência, a guerra. Os grandes autores que nos chegam são poucos, mas
temos Mia Couto, Paulina Chiziane, Lília Momplé, Rui Knofli, José Craveirinha,
e mais alguns. Mas sempre é uma questão reservada essa, por ser professora ou
crítica de literatura de um país estrangeiro. Porque o que temos acesso é
essencialmente o que se publica fora desse país. Por isso é que outra ideia
desta visita era de construir essas relações que me deixem conhecer o cenário
literário de Moçambique.
Os livros de que se refere teve acesso nos Estados Unidos
ou teve que recorrer a outros países lusófonos, por exemplo, Portugal e Brasil?
- Tive acesso a
alguns livros nos Estados Unidos porque muitas vezes, pessoas como eu, viajam e
trazem de volta muitos livros que colocam nas bibliotecas. Nós temos um bom
sistema de circulação bibliotecária nos Estados Unidos, tanto que podemos ter
acesso a informação de livros que estão em outros lugares. Mas há outros livros
que comprei em Portugal e Brasil e, obviamente, nos últimos dias aqui em Maputo
achei vários outros que nunca tinha visto.
O primeiro recurso para o estudo de uma literatura é a
língua. Lecciona literaturas de língua portuguesa nos Estados Unidos e é
norte-americana, como é que a língua influencia para o seu trabalho?
- Há duas questões
para falar de quem é professor de uma língua estrangeira num país: primeiro
temos que conhecer e estudar a língua para poder consumir os livros no seu
contexto literário e linguístico. Por outro lado, muitos dos nossos estudantes
não vão chegar ao nível de interpretação desejado das obras pela questão da
língua, isso faz com que nós também estejamos abertos à possibilidade de
estudar essas obras traduzidas, para estimular nesses estudantes o interesse e
conhecimento através da literatura em tradução e daí dar a possibilidade de
continuar a trabalhar com a língua e conhecer essas literaturas na sua língua
original.
Há dificuldades?
- Há sim,
particularmente no português. Nos Estados Unidos a primeira língua estudada é o
espanhol, por isso, muitos dos nossos estudantes de literaturas lusófonas já
tem alguma experiência com o espanhol e isso dá facilidade no momento de ler as
obras em português. É uma espécie de ponte entre os dois mundos.
Há uma questão que se coloca no acesso do texto literário
africano principalmente dos autores que se publicam por editoras estrangeiras
que é a tentativa de ocidentalização desse texto. Tem se deparado com isso e
como é que vê a originalidade do texto africano?
- É sempre um
dilema. São dois mundos que tem muito em comum mas tem muitas diferenças. Então
sempre há essa questão de como é que chegam estas obras para o público. No
encontro com os jovens que tive, foi-me perguntado como é que um estudante que
experimenta uma literatura de outra língua entra no contexto? Como é que chega
a conhecer as estórias, vocabulário os contextos e quais são as políticas do
mercado para o acesso dessas literaturas.
Sob ponto de vista de crítica literária ao texto africano
como é que a vê?
- Para mim no campo
da crítica estrangeira temos que saber muito bem da crítica que se escreve no
lugar de origem dessas obras, o que circula. Há grandes críticos de literaturas
lusófonas, por exemplo a professora Doutora Inocência Mata, é africana e está na
Universidade de Lisboa, a professora Doutora Tânia Macedo, Rita Chaves que são
as grandes críticas do momento para guiar uma pessoa como eu, bastante nova na
profissão e conhecer isso. Mas sobre tudo as informações em circulação, não só
nas literaturas lusófonas, mas também nas literaturas africanas no geral, por
exemplo a situação pós-colonial, a relação entre as realidades sociais que
vivem não só os escritores mas as pessoas desses país, a situação urbana e o
dia-a-dia. A literatura dá a oportunidade para conhecer mas também dá algum
tipo de comentário, um ponto de vista particular que representa sempre o que
estão discutindo ou vendo, a maneira de lidar com essa situação das pessoas que
moram lá. Particularmente, esse aspecto social, para mim, destaca-se nas
literaturas africanas.
Nota-se e se tem gerado um “conflito” pelo facto de
alguns escritores africanos estarem também muito ligados à política, há algum
entendimento entre as duas áreas?
- Acho que sim.
Quando falamos de literatura e política podemos falar por exemplo de uma fase
da construção da nação, as primeiras gerações depois da independência, pode se
dizer que essa é uma literatura política clássica. Mas quando falo de política
não me refiro a um ponto de vista de política particular, mas de uma realidade
de pensamento com o povo, pensamento colectivo, as tensões colectivas, a visão
da vida que as pessoas tem e etc. Portanto, quando falo de literatura e
política refiro-me a esse aspecto também.
Fonte: Embaixada dos Estados Unidos - Maputo |
E o facto de um escritor assumir um protagonismo
político, no seu entender, influencia a sua criação literária?
- Essa seria uma
pergunta para o escritor. Há tantas respostas para essa pergunta. Levantamos,
uma vez, a mesma pergunta, há alguns meses, num encontro com o escritor
angolano João Melo, ele falou que o seu mundo de política e de escritor são
diferentes. Eu acho que o facto de um escritor ter esse desenvolvimento
político pode dar um certo entendimento, mas não necessariamente deve guiar de
uma o que ele escreve.
Já se nota que os escritores africanos, moçambicanos em
particular, tem essa tendência de viagem, portanto de fazer outras leituras
para além do seu enredo. Aliado a isso se levanta a questão da identidade
literária. A professora concorda que uma literatura deve ter uma nacionalidade
ou identidade?
- Eu não diria que
deve ter. Sempre tem uma marca do seu contexto. E, muitas vezes, no caso de
Moçambique e noutros países africanos lusófonos sempre há esse ir e vir. Eu
prefiro ver como um engajamento com o mundo externo. Eu acho que tem vários
aspectos. Por um lado sempre há a questão do consumo nacional, se a literatura
é ou não conhecida dentro do país e, a pressão ou a necessidade que o escritor
sente de procurar uma editora de fora, simplesmente pela questão de mercado e
pela questão de poder viver da sua arte e da sua obra. Mas também esse aspecto
abre um espaço para uma discussão dessa identidade, porque quando essas obras
saem para o mundo é através delas que os outros vão poder conhecer Moçambique
e, por sua vez, os moçambicanos vão poder articular a sua experiência com o
mundo. Então nunca diria que a uma literatura deve ter nem uma nem outra coisa,
mas eu acho que a literatura que circula fora e dentro do país tem a
possibilidade de abrir conversa e debates.
Tem se reclamado, em Moçambique, da qualidade na actual
literatura moçambicana. Na sua percepção o que pode minar a qualidade
literária?
Sobretudo acho que
vai ter a ver com o conhecimento que se deve ter da história literária, social,
sobre a situação original dessa área. Também o não conhecimento das técnicas
linguísticas, narrativas, entre outras coisas que dão à obra literária uma voz
original e única. São essas coisas que procuro e acho que são ligados com o
conhecimento histórico da literatura do país e outras fontes, também com olhar
agudo para o mundo fora e para as possibilidades que oferecem as comunidades
que entram na obra.
A professora acha que pode se formar um escritor? Como?
- Não sei. Acho que
sim no sentido de ensinar as técnicas de escrita e analíticas. Tem de haver uma
combinação de vocação e treinamento. Todos os países tem o exemplo desses
grandes escritores que se lançam ao mundo literário sem este treinamento e há
os que eu diria que são escritores eruditos que têm o conhecimento da história
literária, fontes filosóficas, entre outras, que tem uma informação profunda
sobre a literatura. Eu acho que esse esquema oferece a possibilidade para que
alguns saiam com essa combinação perfeita do talento, da inspiração também do
acesso ao conhecimento profundo do que é a literatura universal.
Já há algum descontentamento sobre a forma como a
literatura moçambicana consegue sair do país que tem sido por via de Portugal e
já se fala das limitações que advêm disso. Mas para que se leve a literatura
para os Estados Unidos provavelmente a questão é outra. Como levar a literatura
moçambicana para o estrangeiro?
- É um dilema,
sobre tudo a questão da língua. Ou seja os autores moçambicanos, ou os autores
lusófonos no geral, entram através da tradução para o mundo externo. Muitas
pessoas têm opiniões a favor e outras contra a tradução ou de vender os livros
através da tradução. Mas eu acho, como professora e já disse que uma maneira de
dar a um público maior a oportunidade de conhecer a literatura moçambicana ou o
país é através da tradução. Pelo contacto com as comunidades lusófonas que há
nos Estados Unidos comunidades de brasileiros, portugueses ou de
cabo-verdianos, seria uma maneira de estimular a criação de uma comunidade
africana ou lusófona que pode dar mais oportunidades para a entrada dessas
obras.
Reiner Rilke escreveu cartas a um jovem poeta. E a
professora que conselhos dá a jovens escritores?
- Acho sobre tudo
que devem conhecer a literatura, conhecer os escritores do seu país como dos
outros. Como professora de fora quero ler esses jovens quero ter acesso através
de blogues, revistas, o que pode sair facilmente, grupos de escritores em
movimentos que possam sair em antologias e é através desse contacto, das
conversas, e é através desse efeitos de comunidades literárias que vão crescer
e os jovens poderão aproveitar o contacto com o público. O projecto de um
blogue literário dá muita oportunidade para o público de fora saber o que estão
escrevendo os jovens moçambicanos. Tem que haver algum lugar de conversa, de discussão,
publicação, ainda que não seja em papel, pode ser um oportunidade dos jovens
continuar a produzir.
- Estamos a falar dos jovens, mas pode haver receio por
parte dos escritores mais velhos ao recurso da internet. Acha que a internet
veio para mudar esse cenário de isolamento?
- Acho que sim. Nas
conversas que tive nos últimos dias levantou-se essa questão. É um problema
como dizem algumas pessoas que o acesso a internet não é universal está
limitado às cidades grandes, há algumas pessoas, mas uma vez que a pessoa tem
esse acesso pode melhorar o próprio ambiente de falta de editoras, pode ser
essa a alternativa boa, porque uma vez que a pessoa tem acesso a essas
publicações, a internet representa uma das forças mais importantes hoje não só
na literatura, mas no mundo da cultura na geral. Há a possibilidade de conhecer
coisas que ainda não tenham chegado a nós.
Viva a África, viva Mia Couto, viva Gonçalo Tavares. Chegou a hora de dar um basta. um basta no colonialismo. Que sejam protagonistas de suas histórias. Elias Borges de Campos-cientista social, poeta e escritor. Campo Grande-MS Brasil
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