O Procurador-Geral da República (PGR), Augusto Paulino foi semana passada à Assembleia da República apresentar o informe anual sobre o estado geral da justiça no país, onde destacou aspectos relativos a desvios de fundos do Estado, corrupção, criminalidade, entre outros. No entanto, para a oposição, o informe não correspondeu às expectativas dos moçambicanos, pois não foi ao encontro dos pontos mais polémicos como se esperava.
Dos vários processos, “foram tramitados a nível nacional 45.185 processos-crime dos quais 8.959 se encontram pendentes e 36.226 entrados sendo 17.680 processos com arguidos presos, 936 em liberdade provisória e 26.569 em liberdade. 10.974, foram classificados autos de querela, 12.537 Policia correccional e os restantes 21.674 sumário.
Augusto Paulino disse que, comparativamente ao ano 2009 foram registados 47.065 processos-crime, o que significa uma redução em 3.9 porcento”.
Quanto à prática de infracções financeiras, “foram punidos 42 gestores públicos, condenados pelo Tribunal Administrativo”, sublinhou o PGR.
Esta informação não caiu bem aos ouvidos das bancadas da oposição pelo facto de não trazer dados precisos sobre casos quentes como o do Conselho Constitucional, o caso MBS, o do antigo ministro do Interior, Almerino Manhenje, o Wikileaks, etc.
e-SISTAFE facilita roubo de fundos do Estado
O e-SISTAFE é um sistema electrónico de processamento de dados em uso nas instituições e empresas do Estado, que foi concebido para reduzir os problemas de corrupção e infracções financeiras no erário público.
Mas, ao que tudo indica este sistema veio inovar as técnicas de desvio de fundos do Estado. Ora, dos vários casos apresentados pelo PGR relativos aos desvios de fundos, na maior parte, os infractores recorreram a esse sistema que se supunha que fosse mitigar tais actos.
A cidade de Maputo foi onde se registou mais casos de impacto, relacionados aos desvios de fundos do Estado. Entre outros, um dos casos é o de uma funcionária do Ministério da Administração Estatal, indiciada por roubo de 3.728.169 meticais do fundo de salários, por via de manipulação do e-SISTAFE.
Outro caso é de quatro funcionários do Estado afectos ao Ministério das Finanças e dois ao Centro de Processamento de Dados (CPD) indiciados de terem roubado 5.932.096 também do fundo de salários.
Ainda na capital do país, três funcionários da Direcção Nacional de Águas (DNA) são indiciados de terem falsificado uma requisição no montante de 3.396.159 meticais.
Cabo - Delgado na senda do crime organizado
Na província de Cabo Delgado um caso de impacto, autuado desde Janeiro de 2009 foi de oito funcionários, afectos na direcção provincial do Plano e Finanças, indiciados de terem se apoderado de fundos do Estado, por via e-SISTAFE, no valor de 43.450.123,96MT.
Ainda na mesma província, 14 funcionários, afectos aos Serviços Provinciais de Floresta e Fauna Bravia, foram indiciados de terem solicitado e recebido dinheiro de cinco empresas licenciadas para o corte e exportação de madeira, para falsificarem os documentos relativos a madeira que seria exportada, fazendo constar dos documentos que tratava-se de madeira serrada quando na verdade tratava-se de madeira em toros e facilitaram a sua passagem bem como o contentor com 166 pontas de marfim, um corno de rinoceronte e dez carapaças de pangolim.
Ainda em Cabo Delgado foi indiciado um consultor da direcção provincial do Plano e Finanças, por meio de transferências bancárias de um milhão de meticais a partir do mesmo sistema, e-SISTAFE para uma conta titulada pela esposa.
Em Nampula oito funcionários da Autoridade Tributária de Moçambique, na Unidade dos Grandes Contribuintes daquela província e empregados bancários são indiciados de terem se apoderado de 2.965.920,73 meticais.
Ainda nesta província, quatro trabalhadores da Electricidade de Moçambique (EDM) na área de distribuição, no período de 2007 a 2009, emitiram recibos de pagamento de consumo de energia a favor de alguns clientes que cobravam, sem no entanto, canalizar esse dinheiro aos cofres da empresa, lesando-a em 6.277.556,97 meticais.
Outro caso ocorrido na EDM, já na província de Tete, um funcionário foi indiciado de ter se apoderado 1.110.666 meticais pertencentes à empresa. O PGR disse ainda que, na mesma província, houve mais um crime de desvio de fundos do Estado, em que cinco funcionários da Delegação Provincial do INSS são indiciados de terem saqueado 13.365.655 meticais de forma continuada, desde o ano 2005 até 2008.
A província de Sofala registou dois casos de impacto, referentes ao desvio de fundos do Estado, onde no primeiro, dois funcionários da Direcção do Plano e Finanças em conluio com um empregado bancário são indiciados de se terem apoderado de 5.163.479 meticais com recurso a falsificação de títulos modelos 13, onde levantavam valores à boca da caixa sem creditarem na conta do tesouro.
Outro crime de roubo de bens do Estado no valor de 12.200 meticais foi protagonizado por um funcionário afecto aos serviços distritais de Saúde, Mulher e Acção Social de Cheringoma, tendo também se apoderado de vários medicamentos destinados aos centro de saúde Maciamboza.
Na cidade de Maxixe, província de Inhambane dois funcionários do conselho municipal são indiciados de terem se apoderado de 906 mil meticais no período de Dezembro de 2009 a Abril de 2010 por via de falsificação de cheques.
Na província de Gaza, o caso com maior impacto foi de três funcionários da Direcção Provincial da Saúde, que são indiciados de desvio de 2.129.289 meticais de um fundo que era destinado a programas de combate a malária.
Segundo Augusto Paulino, “o fenómeno corrupção continua a constituir um desafio ao sistema judiciário e as instituições públicas e a toda sociedade moçambicana”.
Augusto Paulino disse também que, “continuamos a registar fragilidades a partir dos serviços públicos, na contratação pública, na concessão do investimento e na compra e venda de bens do Estado”.
Assim, “a Procuradoria-Geral da República continua a privilegiar a prevenção recomendando às instituições públicas, medidas com vista a estancar oportunidades de corrupção”, acrescentou o PGR assegurando que o Gabinete Central de Combate à Corrupção e as procuradorias provinciais tramitaram 649 processos de corrupção e desvio de fundos e bens do Estado. Desses crimes, o Estado foi lesado em 131.311.725 Meticais, tendo se recuperado a seu favor 349. 636,23 Meticais.
Oposição insatisfeita com o informe
Logo no princípio da apresentação do informe a oposição reprovou a leitura do resumo feita pela PGR, sugerindo a leitura na íntegra do documento com cerca 240 páginas.
Não havendo consenso com a bancada da FRELIMO recorreu-se ao voto, a esta última saiu vitoriosa. E por isso a oposição mostrou sua insatisfação por considerar que assim o informe seria omisso em alguns aspectos relevantes
Armindo Milaco, deputado da Renamo disse que Augusto Paulino, “só veio a casa do povo dar voltas, e sem dizer o essencial por temer represálias ao perseguir grandes barões”. O discurso do PGR não satisfez aos moçambicanos, mas este, tem muita razão pois os americanos já disseram que os oficiais moçambicanos de patente média têm medo de perseguir pessoas envolvidas com as redes de tráfico de drogas, porque essas pessoas tem ligações com quadros seniores do governo e do partido no poder.
Por sua vez Arnaldo Chalaua, porta-voz da bancada da RENAMO, disse que todas as expectativas de sua bancada foram frustradas pelo informe, “o povo moçambicano merecia ouvir uma radiografia da situação judicial do país, mas o PGR veio apenas mostrar a sua mediocridade, ao negar apresentar o documento depositado na AR mas apresentar um resumo que nem acesso tivemos”.
“O PGR devia aflorar o seu discurso com factos, ao invés de tapar o sol com a peneira dizendo que as coisas estão a andar bem, pois se povo fizer uma revista sobre esta informação o mesmo descobrirá que ele mentiu”.
Segundo Geraldo Carvalho, deputado do MDM o informe do PGR foi vazio tal como sempre o foi, em todas as intervenções anteriores. Esperávamos ouvir muito mais sobre questões relevantes que se registaram ultimamente no país, mas já que não foi como desejávamos, esperamos que das próximas o procurador-geral nos traga informações mais completas sobre a justiça em Moçambique. Omitiu casos como o das suspeitas levantadas pelos americanos sobre o envolvimento de algumas figuras nacionais no narcotráfico, o caso Luís Mondlane, ex - presidente do Conselho Constitucional, há tantos outros casos em que o PGR abordou simplesmente de forma geral quando devia trazer pormenores e ainda muitos que nem sequer mencionou no informe porque os criminosos andam à solta.
O porta-voz desta bancada, José de Sousa, disse também que a Procuradoria-Geral da República ainda não encontrou um mecanismo certo para solucionar problemas de corrupção. Ademais é preocupante que a Polícia de Investigação Criminal (PIC) não esteja subordinada ao Ministério Público pois se assim fosse, reforçaria a sua capacidade operativa que é ainda muito fraca.
Outrossim não trouxe os casos quentes que são de interesse público, como é o caso do julgamento de antigo ministro do Interior, que foi conduzido como se ele tivesse roubado meia dúzia de patos na casa do vizinho.
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