segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Iº Congresso Internacional de Filosofia em Maputo


Académicos moçambicanos e de outros países, estiveram reunidos em Maputo para debater filosofia, num evento organizado pela Universidade Pedagógica (UP), pela primeira vez no país. A filosofia africana, na vertente de Moçambique esteve no centro das atenções, destacando-se a construção da própria filosofia do continente e tendo em conta as barreiras históricas, etimológicas e etnológicas.

Eduardo Quive

A Universidade Pedagógica, UP em Maputo, organizou durante quatro dias o Iº Congresso Internacional de Filosofia, subordinado ao tema “Filosofia e Metamorfoses Sociais da CPLP”, juntando vários académicos e amantes desta área do saber residentes do país e do estrangeiro, como Portugal, Brasil, Angola e Suiça.
O congresso decorreu numa altura em que se celebra o mês da filosofia e o 25º aniversário da existência da UP.
No discurso de abertura do evento a directora da Faculdade de Ciências Sociais, Stela Duarte, fez realce da actuação da UP no país mencionando o processo do seu desenvolvimento seja em termos de capacidades de infra-estruturas como de recursos humanos.
Dados revelados por esta dirigente, indicam que a UP tem 5 faculdades e duas escolas, leccionando cursos de licenciatura e mestrado, prevendo a partir de 2011, integrar o doutorado.
Daí a necessidade de se fortalecer iniciativas interactivas e de promoção de debates com diversos intervenientes, no sentido de impulsionar a habilidade daquela instituição de ensino superior.
Por outro lado, Stela Duarte disse que com congresso “pretende-se partilhar ideias, trocar experiências, desconstruir e reconstruir saberes sobre diversas temáticas de filosofia, tais como, os processos de democratização e desenvolvimento, filosofia africana, ensino e formação de professores em filosofia, ética, teologia, entre outros. Esperamos igualmente que tudo foi debatido seja publicado em forma de livro ou na Internet para que mais pessoas tenham acesso a esta informação”.
Por sua vez, o chefe do Departamento de Filosofia, Bernardo Feliciano considerou que a realização de um congresso internacional de filosofia em Moçambique significa acima de tudo um avanço para a construção de uma filosofia cada vez mais interventiva, do que didáctica e massificada.
Na posição deste que também é docente, a filosofia em Moçambique divide-se em 3 partes, sendo a primeira fase da dominação colonial, a segunda do período pós independência, onde predominava o marxismo submetendo a esta época numa ideologia socialista e por último a fase contemporânea onde tudo centra-se no discurso da construção de um país diferente e da construção da democracia a partir dos acordos de paz.
Feliciano, descreveu aquilo que considera de realidade moçambicana, através de estratos da obra do Severino Nguenha, outro pensador moçambicano que é “Superar o défice etimológico, repensar os fundamentos étnicos numa sociedade moralmente desestruturada com fundamentos políticos na democracia emergente”.
Para o desenvolvimento do ensino da filosofia no país o chefe do departamento desta disciplina, propôs o desenvolvimento da pesquisa nesta área, como forma de fazer face ás novas exigências mundiais e nacionais, tendo em conta que a história dos países de expressão portuguesa partilham dos mesmos acontecimentos.
“A inexistência de correntes filosóficas da CPLP, herdeiros da colónia, demonstram claramente que a influência da lusofonia na área da filosofia foi reduzida em relação a outras ciências sociais e humanas, como a Antropologia, Sociologia e História. Talvés nos países Afro-lusófonos tal situação resulta do facto de ter havido tendência de desenvolver aspectos científicos ligados a pesquisa da sociedade do passado sem necessidade de um questionamento aprofundado dos motivos das ambições de validação dos sistemas de valorização assim como dos sistemas políticos existentes.”

“A pobreza é uma indústria de produção de dinheiro em África”
Afirma Carlos Mussá, docente universitário de filosofia


O debate sobre a filosofia, em Maputo, teve maior afluência de intelectuais nacionais, sendo necessário destacar a presença do Severino Ngoenha, um dos mais influentes e massificadores da filosofia africana, impulsionador de vários tipos de debate na arena social e académica moçambicana, através das suas obras, principalmente a penúltima designadamente: “Machel Ícone da Primeira República?”, na qual nos remete a uma análise sobre os ideias de Samora Machel que hoje em dia são evocadas pelos chapeiros, repistas e actores de teatro.
Outros nomes sonantes do intelectualismo em filosofia, são os de Silvério Runguane, Gerson Machevo, Alberto Ferreira, Carlos Mussá, entre outros.
Entretanto, uma das dissertações marcantes foi sobre os Estados africanos e o processo da democratização a partir do século XX, dissertado pelo pensador Carlos Mussá, que também é docente de filosofia.
Este pensador, levantou as questões da pobreza em África, a política e a democracia, o multipartidarismo, governação e a liberdade.
Mussá, considera que a África não nasceu pobre, mas está refém da acção humana deste continente.
“Hoje em África, se você não é político não tem sucesso mesmo sendo intelectual. Isto por si só, justifica algumas acções que promovem o retrocesso e que marcam este século. Daí a economia cresce por um lado, mas sem gerar desenvolvimento. A pobreza no nosso continente é uma indústria de geração de dinheiro.”
Na teoria deste docente, o continente negro pode reduzir, mas não vai acabar com a pobreza contrariamente ao que dizem os políticos, nos seus discursos “sem fundamentos”.
O desenvolvimento da África passa pela aposta na ciência, onde devia se fazer pesquisas e divulgarem-se. Mas na sua opinião, os governos não criam condições financeiras para tal. “Fazem-se muitas pesquisas mas não há dinheiro para se publicarem. Entretanto, investe-se massivamente na defesa e segurança, para gerar guerras. Há muitos hospitais, mas não se combatem as doenças, isto, porque os africanos não sonham”, disse Mussá.
Por outro lado, os gestores, conduzem o Estado como se fosse algo pessoal, segundo considera Carlos Mussá, que afirmou ainda estar a gerir-se o Estado como se fossem aldeias “os políticos confundem Governo e Estado, coisas muito diferentes”, isto porque os libertadores africanos, sentem-se donos dos países. Em quase todos os países, incluindo Moçambique, segundo disse o docente, “há uma elite política que impede o desenvolvimento da maioria e se mantêm no poder, porque acha que lhe é devido.”

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