terça-feira, 5 de outubro de 2010

Roubo de fundos de Estado em Maputo


Acareação enterra funcionário das Finanças

Por Eduardo Quive

Depois da acareação, podem estar claras as evidências que indicam o funcionário das Finanças, Mário Tique, como o mestre da “batida” dos 2.8 milhões de meticais do Estado. Mas também, outros factos apurados mostram que a antiga chefe do Departamento da Contabilidade Pública, Berta Manuel e a de Repartição de Contas, Ermelinda Barros, vão fazer companhia ao seu colega nos calabouços.

Esta é uma continuação do julgamento do caso de desvio de fundos do Estado na província de Maputo, assunto que tem merecido destaque do nosso jornal, por este ser de interesse público.
Na semana passada, foi a fase da acareação, uma técnica jurídica que consiste em apurar a verdade no depoimento ou declaração das testemunhas e das partes, confrontando-as frente a frente e levantando os pontos divergentes, até que se chegue às alegações e afirmações verdadeiras.
Sendo assim, na terça-feira o réu Mário Tique foi colocado frente-a-frente com os co-réus, Américo Menete, Cristiano Rafael, Mário Chaguala, Isaís Cuamba, Bernardo Joana, Alberto Mabore, Clara Nhabamga, José Jorge e Fernando Tinga, estes dois últimos, já falecidos.
O réu Américo Menete, que na altura dos crimes, exercia a função de chefe da secretaria na EPC Jonasse, onde participou no saque de 115 mil meticais, tendo depois passado ao cargo de administrativo da Direcção distrital de Educação e Cultura de Boane, onde, igualmente, saqueou 100 mil meticais em Março de 2005. Ambos valores foram lançados nas contas das instituições pelo réu Mário Tique que em seguida tirou a sua parte dividindo pela a metade, segundo depôs no tribunal.
Menete, reiterou a sua posição inicial e garante a verdade, dos factos que revelou em seu depoimento no tribunal.
Por sua vez, Mário Tique, fez-se alheio às acusações distanciou-se da acusação, referindo ainda que nunca ligou para o Américo, muito menos terá se encontrado com este algum dia nos lugares onde terá dito que foram de entrega da sua parte do dinheiro desviado.
Na vez do réu Cristiano Rafael, o antigo assistente da administração e finanças da direcção provincial da Mulher e Acção Social de Maputo, cuja parte por si desviada neste processo, é de 120 mil meticais.
Cristiano, chefiou a “cúpula” formada pelo director Noé Mathe e Lizete Cármen Ouana, ex-chefe da repartição de administração e Finanças e dividiu o valor pela metade com o Mário Tique, para depois distribuir o resto com os seus colegas, em quantias de 20 mil meticais para cada.
Mário tique, optou, igualmente por distanciar-se desta acusação e disse que recorda-se que terá ocorrido problemas num processo remetido por esta direcção em solicitação de cabazes para o fim do ano mas que tal pedido foi reprovado por falta de cabimento orçamental e mandou para que rectificassem e que voltassem a remeter com justificações claras sobre as necessidades. Porém, afirmou que nunca disponibilizou o valor em causa, nem de forma justa, muito menos de forma ilícita.
Tique afirmou conhecer o réu Cristiano com o qual tem ligações profissionais e não sabendo porque motivo, este o terá acusado de conveniência com este crime.
Chegada a vez de responder sobre as acusações do antigo director da EPC Unidade T3, Bernardo Joana, as quais dão conta do roubo de 178.743,00 meticais, os quais foram repartidos pela metade com o réu, que disse no tribunal, ter aplicado a parte que lhe pertencia, juntamente com a chefe da secretaria, Lucília Firmino em benefício da escola.
O réu Mário Tique, repetiu o mesmo discurso, dizendo que nunca ligou, nem mesmo terá recebido algum dinheiro deste e acrescentou que as únicas relações que tinha com o réu eram estritamente profissionais e que sempre que teve que se encontrar com ele, foi na direcção provincial das Finanças.
As mesmas negações fez para as acusações dos réus Mário Chaguala, ex-director da Escola Primária Unidade “H”, Isaías Cuamba ex-chefe da secretaria da Direcção Distrital da Educação em Namaacha, Clara Nhabanga antiga auxiliar administrativa da Direcção Distrital de Saúde de Matutuine e Alberto Mabore, ex-chefe da secretária da Escola Secundária de Machava Bedene – Matola.
Da única vez que o réu Mário Tique proferiu um discurso diferente, foi quando lhe foram colocado as perguntas sobre o réu José Massinga já falecido, cujo montante desviado foi de 100 mil meticais, onde este afirmou que quem o telefonou foi o co-réu José Massinga.
Segundo Tique, este réu o telefonou para saber se já havia entrado na conta o dinheiro de salários para os trabalhadores da sua instituição, entre Fevereiro e Março, mas nunca terá se encontrado com ele.
Logo na sucessão desta resposta, o tribunal procurou saber deste se era frequente que as pessoas lhe ligassem, apesar de ser chefe e existiram vários subordinados seus, o réu, respondeu que isso era normal, porque pretendiam saber sobre os processos e a título de exemplo, este disse que as finanças ofereciam celulares e recargas aos chefes.
Mário Tique recusou igualmente que terá orquestrado o roubo que este outro réu, Fernando Tinga, também falecido.

Acareação entre as antigas funcionárias da Direcção Distrital da Saúde de Matutuine

Depois de ouvidas as rés, Clara Nhabanga, Celeste Boca e Yasmin Yassam, ambas funcionárias da Direcção Distrital da Saúde de Matutuine, que estão neste caso, por terem compactuado no roubo de 255.700 mil meticais, coordenadas pelo réu Mário Tique.
O que fez com que estas três rés entrassem neste rol de acareações, foi o facto de algumas declarações prestadas ao tribunal, por si, divergirem.
Clara Nhabanga, a suposta líder desta cúpula, foi quem terá recebido telefonema do réu Mário Tique para que lhe informava da existência de um valor na conta da instituição, correspondente a 255.700 meticais, dos quais terá retirado a metade para o co-réu e o resto repartiu com as suas colegas, Celeste e Yasmin.
Clara manteve o seu depoimento, que dava conta de que foi repartido entre si e a Celeste o valor de 46 mil meticais para cada e 35 mil meticais para Yasmin Yassam, o que, necessariamente, terá originado a acareação entre esta tripla, que curiosamente, dividiu o valor do roubo de forma desigual e, por outro lado, Yasmin, recusou o seu envolvimento neste esquema, tendo referido ainda que não recebeu este dinheiro, muito menos teria ocorrido o facto, se tivesse o conhecimento antes, contrariamente ao depoimento da sua colega Clara.
Contudo, há algo a duvidar nesta acareação desta tripla, uma vez que a ré Clara Nhabanga, em muitas questões colocadas pelo tribunal, para justificar esta contradição no seu depoimento com a da co-ré Yasmin, não soube responder.
Manuela Oliveira quis saber concretamente da ré Clara se de facto teria entregue o valor referido à sua chefe porque a sua colega Celeste, não confirma o facto. Esta simplesmente gaguejou e acrescentou algo no seu discurso inicial, cujo conteúdo prendia-se na dúvida sobre o local de entrega do valor, pois no seu primeiro depoimento disse que os 35 mil meticais que seria para Yasmin, foi na sua residência, para nesta fase, dizer que duvida se lhe entregou na sua casa ou no local de trabalho, nem mesmo soube responder se lhe entregou o dinheiro, depois de notar que a sua companheira Celeste, não confirmava as suas informações.

Acareação entre os antigos funcionárias da Direcção Provincial da Mulher e Acção Social
Esta tríplice, Noé Mathe ex-director provincial, Lizete Cármen Ouana, ex-chefe da repartição de administração e Finanças e Cristiano Rafael, na altura seu colaborador directo, por causa das suas declarações está envolvida no caso por participação no roubo de 120 mil meticais por intermédio do réu Cristiano Rafael, que segundo disse ao tribunal, foi por via de troca de chamadas com o co-reu Mário Tique.
Cristiano Rafael, que por um lado foi ouvido em acareação com o réu Tique, quando ouvido na acareação deste grupo reiterou o que disse inicialmente, sendo que a única contradição que existe, é que o réu Noé Mathe, nega que lhe foi entregue em mãos 20 mil meticais, dizendo que apenas recebeu 15 mil meticais, os quais não lhe foram entregue pessoalmente, mas sim recebeu-os na sua conta, sem saber quem era o seu remetente.
Noé Mathe, terá dito ao tribunal, no depoimento passado, que desde o princípio do esquema mandou o Cristiano devolver o valor às finanças, tendo este remetido na sua conta, sem o seu conhecimento.
Entretanto, o réu Cristiano, desmentiu a alegação do seu antigo colega e amigo, segundo dramatizou, e disse ainda estar surpreso com o distanciamento deste a este problema, porque desde o princípio o encorajou e sempre foram amigos.
Estes dois, contradizem-se não só na questão dos valores, em que Cristiano diz que entregou ao co-réu Noé uma quantia de 20 mil meticais e que por sua vez este diz que teve apenas que descobrir na sua conta bancária e sem o seu consentimento o valor de 15 mil. Mas, também estes divergem no que concerne as participações nas reuniões e nas assinaturas que deram origem aos processos para justificarem este roubo, ao que Noé Mate, continua a afirmar que não participou em nenhuma das reuniões e que não terá assinado nenhum processo justificativo em sua consciência.
Neste duplo rolar de contradições, entrou igualmente a ré Lizete Ouana, que reafirmou que o co-réu Noé Mathe não tinha conhecimento deste roubo, muito menos ela, mas estão envolvidos neste caso porque o réu Cristiano Rafael, tem uma capacidade de persuadir, uma vez que ele tem larga experiência para este tipo de esquema, tendo sido demitido da Escola Secundária Josina Machel por ter cometido várias irregularidades, mesmo antes de estar naquela direcção.
Outro facto não menos importante que consta nos autos é a contradição do depoimento do réu Noé Mathe, onde este disse, quando solicitado pela PIC que o valor depositado na sua conta era uma oferta, mas agora, na fase da acareação, disse que não sabe se terá explicado o mesmo a polícia, mas a verdade é aquilo que disse ao tribunal, que não sabia da origem do dinheiro.
Por outro, o réu assume que mentiu na PIC, justificando que estava nervoso.



Acareação entre funcionários das Finanças
Esta era uma das sessões esperadas, depois do distanciamento que a ex-chefe do Departamento da Contabilidade Pública, das acusações que pesam sobre si, sobre este caso, pois esta por ter sido a chefe das duas repartições envolvidas neste caso, nomeadamente, a de Despesas e de Contas, esta última chefiada, na altura, por Ermelinda Barros, que mesma estava neste grupo da acareação, disse estar envolvida neste caso, como quem fazia a liquidação dos títulos no Modelo 17, e na sua actividade terá pago a alguns títulos cancelados, mas segundo disse ainda, isto acontecia em obediência à sua chefe, Berta Manuel.
A ré Ermelinda Barros, acusa a sua chefe de ter mandado cancelar títulos mas que estes, por sua vez eram pagos, mesmo assim, sendo que este processo, não era acompanhado por um documento que comprovasse a decisão, sendo o único método de cancelamento, uma chamada telefónica, que a co-ré Berta fazia do seu gabinete.
Entretanto, a ré Berta Manuel, a princípio do seu discurso, refutou estas acusações, mas concordando que ligava para os seus subordinados para mandar cancelar títulos e logo de seguida mandava os processos que justificassem a acção e, disse ainda que mandava voltar os processos que não estavam com os procedimentos legais respeitados.
Mas este discurso não durou por muito tempo, logo depois de várias insistências do tribunal, do Ministério Público e dos advogados, esta ré, acabou dizendo que terá algumas vezes ordenado cancelar alguns processos, sem justificativos.
Para ainda, enterrar a ré Berta entraram para a acareação os réus Rodrigues Chuquela, Lízia Mhope e Rita Anastácio, que na realidade só reiteraram os seus discursos.

Tribunal tinha que julgar os seus funcionários

Foi um facto que chegou na última hora e de forma inesperada, para quem apenas presta atenção no lado interno deste caso que é julgado por uma juíza que muito se impõe durante as sessões.
Durante as acareações ocorridas na semana finda, quando chegou a vez dos funcionários das Finanças, a ex-chefe da Repartição de Contas, Berta Manuel, ao aperceber-se da pressão que era exercida sobre si pelo tribunal encabeçado, nesta missão, pela juíza Manuela Oliveira, revelou outros factos que estavam, com certeza no fundo tunnel.
A ré Ermelinda Barros, disse ao tribunal, enquanto explicava os factos que aconteceram dentro do Departamento de Contabilidade Pública, principalmente, quando descoberto o caso dos desvios, que podiam incriminar a sua chefe, Berta Manuel.
Segundo o esclarecimento da Ermelinda, quando se despoletou o problema de pagamento a títulos cancelados pela equipe de inspecção do Ministério das Finanças, eram vários os títulos cancelados e pagos, tantos, que até cabiam uma página e meia do formato A4, mas muitos deles não são julgados neste processo.
A ré, ao enumerar, alguns dos processos que estavam inclusos na lista, citou os nomes do Tribunal Judicial da Matola, da Procuradoria, mas ao que o nosso jornal tem conhecimento, nenhum funcionário destas duas instituições está sendo julgado neste processo.
Ermelinda, disse, insistentemente que quando o ministério descobriu este caso, rapidamente fez a busca das instituições e dos respectivos problemas ocorridos, mandou o dossier, ao Departamento de Contabilidade Pública, tendo mesmo circulado pelas mãos de todos os funcionários do sector, mas quando foi criada uma comissão interna para estudar o caso, ninguém mais teve o desenvolvimento.
Entretanto a ré Berta Manuel, seria uma das pessoas que esteve em frente da continuidade deste caso internamente, segundo revelou a co-ré Ermelinda, esta teria levado os documentos num sábado de manhã ao ministério, na companhia da outra ré Lizia Mhope, mas não sabe para que, apenas admira que não estão aqui presentes todas as instituições envolvidas.


Juíza furiosa com os advogados

Enquanto decorriam as sessões, foram várias as vezes que se parou para assistir os debates frontais, entre a juíza Manuela Oliveira e os Advogados, principalmente, com o Advogado do maior acusado deste caso, Mário Tique, que em muitas sessões, esteve ausente, deixando assim, o seu cliente sozinho nesta batalha no meio da selva.
Oliveira, muitas vezes teve que improvisar advogados, mesmo que não tivessem formação na área, como o caso de um funcionário do tribunal, que por muitas vezes ascendeu a essa categoria, para fechar os buracos que os advogados fazem para assumir outros clientes.
Outros advogados que “stressaram” Manuela Oliveira, foram os advogados do Noé Mathe, que muito esteve ausente do acompanhamento do caso do seu cliente, tendo em plena sessão de acareação, colocado questões que estavam fora do objectivo do processo, que era desvendar a verdade, entre factos contraditórios.
Já o advogado da ré Ermelinda Barros, muitas vezes, para além de ter procurado defender duas rés que se contradizem, concretamente, a Ermelinda e a Berta, procurou interferir nas decisões do tribunal, na organização do esquema das acareações, aliás, este processo de organização das sequências dos julgados, foi igualmente, reclamada por outros advogados, mas a juíza, manteve-se renitente nas suas decisões.

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