sábado, 3 de agosto de 2013

ENTREVISTA COM LANIE MILLAR: Tradução popularizará literatura moçambicana

Professora Lanie Millar

A professora de literaturas lusófonas da Universidade de Oregon, nos Estados Unidos da América, Lanie Millar, está em Maputo para conhecer de perto a situação literária moçambicana. De entre várias acções de bastidores, Lanie Millar teve dois encontros com escritores filiados à Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO) e depois, com jovens escritores, aspirantes e estudantes de letras no Centro Cultural Martin Luther King Jr.
À margem dos dois encontros, surgiu a entrevista que se segue, onde a professora faz uma radiografia do ensino de literaturas africanas lusófonas nos Estados Unidos e as possibilidades que a literatura moçambicana tem de se expandir no exterior.

Está em Maputo há vários dias e manteve encontros com escritores e demais intervenientes das artes e letras. Que resultados conseguiu obter?

- Estou em Maputo para explorar e saber o que está-se a discutir, que temas interessam as pessoas, qual é a situação da literatura, dos escritores, dos jovens, os estudos literários em Moçambique e tudo isso tem sido muito informativo. Primeiro tive encontro com escritores da AEMO, depois com jovens para escutar as principais questões e informações sobre o estado da literatura ou as publicações das obras e a circulação das revistas literárias.

Que preocupações levantadas pelos escritores filiados à AEMO poderão ser úteis para si?

- Os escritores falaram da situação educativa que tiveram, da disponibilidade dos livros, dos movimentos e ideias utópicas que tiveram nas primeiras décadas, depois da independência em 1975, e falaram um pouco como é que mudou a situação dos escritores jovens, da situação de acesso dos escritores jovens às bibliotecas, o gosto pelos livros, o processo das mudanças dos modelos de publicação e a necessidade de ter encontros e espaços de conversa não apenas entre os escritores mais jovens, também com os mais velhos.

Mas antes da sua vinda que informações tinha sobre o país, tendo em conta que é professora de literaturas africanas de língua portuguesa?

- Basicamente o que tive foi através dos livros. Li sobre a história colonial do país, a independência, a guerra. Os grandes autores que nos chegam são poucos, mas temos Mia Couto, Paulina Chiziane, Lília Momplé, Rui Knofli, José Craveirinha, e mais alguns. Mas sempre é uma questão reservada essa, por ser professora ou crítica de literatura de um país estrangeiro. Porque o que temos acesso é essencialmente o que se publica fora desse país. Por isso é que outra ideia desta visita era de construir essas relações que me deixem conhecer o cenário literário de Moçambique.

Os livros de que se refere teve acesso nos Estados Unidos ou teve que recorrer a outros países lusófonos, por exemplo, Portugal e Brasil?

- Tive acesso a alguns livros nos Estados Unidos porque muitas vezes, pessoas como eu, viajam e trazem de volta muitos livros que colocam nas bibliotecas. Nós temos um bom sistema de circulação bibliotecária nos Estados Unidos, tanto que podemos ter acesso a informação de livros que estão em outros lugares. Mas há outros livros que comprei em Portugal e Brasil e, obviamente, nos últimos dias aqui em Maputo achei vários outros que nunca tinha visto.

O primeiro recurso para o estudo de uma literatura é a língua. Lecciona literaturas de língua portuguesa nos Estados Unidos e é norte-americana, como é que a língua influencia para o seu trabalho?

- Há duas questões para falar de quem é professor de uma língua estrangeira num país: primeiro temos que conhecer e estudar a língua para poder consumir os livros no seu contexto literário e linguístico. Por outro lado, muitos dos nossos estudantes não vão chegar ao nível de interpretação desejado das obras pela questão da língua, isso faz com que nós também estejamos abertos à possibilidade de estudar essas obras traduzidas, para estimular nesses estudantes o interesse e conhecimento através da literatura em tradução e daí dar a possibilidade de continuar a trabalhar com a língua e conhecer essas literaturas na sua língua original.

Há dificuldades?

- Há sim, particularmente no português. Nos Estados Unidos a primeira língua estudada é o espanhol, por isso, muitos dos nossos estudantes de literaturas lusófonas já tem alguma experiência com o espanhol e isso dá facilidade no momento de ler as obras em português. É uma espécie de ponte entre os dois mundos.

Há uma questão que se coloca no acesso do texto literário africano principalmente dos autores que se publicam por editoras estrangeiras que é a tentativa de ocidentalização desse texto. Tem se deparado com isso e como é que vê a originalidade do texto africano?

- É sempre um dilema. São dois mundos que tem muito em comum mas tem muitas diferenças. Então sempre há essa questão de como é que chegam estas obras para o público. No encontro com os jovens que tive, foi-me perguntado como é que um estudante que experimenta uma literatura de outra língua entra no contexto? Como é que chega a conhecer as estórias, vocabulário os contextos e quais são as políticas do mercado para o acesso dessas literaturas.

Sob ponto de vista de crítica literária ao texto africano como é que a vê?

- Para mim no campo da crítica estrangeira temos que saber muito bem da crítica que se escreve no lugar de origem dessas obras, o que circula. Há grandes críticos de literaturas lusófonas, por exemplo a professora Doutora Inocência Mata, é africana e está na Universidade de Lisboa, a professora Doutora Tânia Macedo, Rita Chaves que são as grandes críticas do momento para guiar uma pessoa como eu, bastante nova na profissão e conhecer isso. Mas sobre tudo as informações em circulação, não só nas literaturas lusófonas, mas também nas literaturas africanas no geral, por exemplo a situação pós-colonial, a relação entre as realidades sociais que vivem não só os escritores mas as pessoas desses país, a situação urbana e o dia-a-dia. A literatura dá a oportunidade para conhecer mas também dá algum tipo de comentário, um ponto de vista particular que representa sempre o que estão discutindo ou vendo, a maneira de lidar com essa situação das pessoas que moram lá. Particularmente, esse aspecto social, para mim, destaca-se nas literaturas africanas.

Nota-se e se tem gerado um “conflito” pelo facto de alguns escritores africanos estarem também muito ligados à política, há algum entendimento entre as duas áreas?

- Acho que sim. Quando falamos de literatura e política podemos falar por exemplo de uma fase da construção da nação, as primeiras gerações depois da independência, pode se dizer que essa é uma literatura política clássica. Mas quando falo de política não me refiro a um ponto de vista de política particular, mas de uma realidade de pensamento com o povo, pensamento colectivo, as tensões colectivas, a visão da vida que as pessoas tem e etc. Portanto, quando falo de literatura e política refiro-me a esse aspecto também.

Fonte: Embaixada dos Estados Unidos - Maputo


E o facto de um escritor assumir um protagonismo político, no seu entender, influencia a sua criação literária?

- Essa seria uma pergunta para o escritor. Há tantas respostas para essa pergunta. Levantamos, uma vez, a mesma pergunta, há alguns meses, num encontro com o escritor angolano João Melo, ele falou que o seu mundo de política e de escritor são diferentes. Eu acho que o facto de um escritor ter esse desenvolvimento político pode dar um certo entendimento, mas não necessariamente deve guiar de uma o que ele escreve.

Já se nota que os escritores africanos, moçambicanos em particular, tem essa tendência de viagem, portanto de fazer outras leituras para além do seu enredo. Aliado a isso se levanta a questão da identidade literária. A professora concorda que uma literatura deve ter uma nacionalidade ou identidade?

- Eu não diria que deve ter. Sempre tem uma marca do seu contexto. E, muitas vezes, no caso de Moçambique e noutros países africanos lusófonos sempre há esse ir e vir. Eu prefiro ver como um engajamento com o mundo externo. Eu acho que tem vários aspectos. Por um lado sempre há a questão do consumo nacional, se a literatura é ou não conhecida dentro do país e, a pressão ou a necessidade que o escritor sente de procurar uma editora de fora, simplesmente pela questão de mercado e pela questão de poder viver da sua arte e da sua obra. Mas também esse aspecto abre um espaço para uma discussão dessa identidade, porque quando essas obras saem para o mundo é através delas que os outros vão poder conhecer Moçambique e, por sua vez, os moçambicanos vão poder articular a sua experiência com o mundo. Então nunca diria que a uma literatura deve ter nem uma nem outra coisa, mas eu acho que a literatura que circula fora e dentro do país tem a possibilidade de abrir conversa e debates.

Tem se reclamado, em Moçambique, da qualidade na actual literatura moçambicana. Na sua percepção o que pode minar a qualidade literária?

Sobretudo acho que vai ter a ver com o conhecimento que se deve ter da história literária, social, sobre a situação original dessa área. Também o não conhecimento das técnicas linguísticas, narrativas, entre outras coisas que dão à obra literária uma voz original e única. São essas coisas que procuro e acho que são ligados com o conhecimento histórico da literatura do país e outras fontes, também com olhar agudo para o mundo fora e para as possibilidades que oferecem as comunidades que entram na obra.

A professora acha que pode se formar um escritor? Como?

- Não sei. Acho que sim no sentido de ensinar as técnicas de escrita e analíticas. Tem de haver uma combinação de vocação e treinamento. Todos os países tem o exemplo desses grandes escritores que se lançam ao mundo literário sem este treinamento e há os que eu diria que são escritores eruditos que têm o conhecimento da história literária, fontes filosóficas, entre outras, que tem uma informação profunda sobre a literatura. Eu acho que esse esquema oferece a possibilidade para que alguns saiam com essa combinação perfeita do talento, da inspiração também do acesso ao conhecimento profundo do que é a literatura universal.

Já há algum descontentamento sobre a forma como a literatura moçambicana consegue sair do país que tem sido por via de Portugal e já se fala das limitações que advêm disso. Mas para que se leve a literatura para os Estados Unidos provavelmente a questão é outra. Como levar a literatura moçambicana para o estrangeiro?

- É um dilema, sobre tudo a questão da língua. Ou seja os autores moçambicanos, ou os autores lusófonos no geral, entram através da tradução para o mundo externo. Muitas pessoas têm opiniões a favor e outras contra a tradução ou de vender os livros através da tradução. Mas eu acho, como professora e já disse que uma maneira de dar a um público maior a oportunidade de conhecer a literatura moçambicana ou o país é através da tradução. Pelo contacto com as comunidades lusófonas que há nos Estados Unidos comunidades de brasileiros, portugueses ou de cabo-verdianos, seria uma maneira de estimular a criação de uma comunidade africana ou lusófona que pode dar mais oportunidades para a entrada dessas obras.

Reiner Rilke escreveu cartas a um jovem poeta. E a professora que conselhos dá a jovens escritores?

- Acho sobre tudo que devem conhecer a literatura, conhecer os escritores do seu país como dos outros. Como professora de fora quero ler esses jovens quero ter acesso através de blogues, revistas, o que pode sair facilmente, grupos de escritores em movimentos que possam sair em antologias e é através desse contacto, das conversas, e é através desse efeitos de comunidades literárias que vão crescer e os jovens poderão aproveitar o contacto com o público. O projecto de um blogue literário dá muita oportunidade para o público de fora saber o que estão escrevendo os jovens moçambicanos. Tem que haver algum lugar de conversa, de discussão, publicação, ainda que não seja em papel, pode ser um oportunidade dos jovens continuar a produzir.

- Estamos a falar dos jovens, mas pode haver receio por parte dos escritores mais velhos ao recurso da internet. Acha que a internet veio para mudar esse cenário de isolamento?


- Acho que sim. Nas conversas que tive nos últimos dias levantou-se essa questão. É um problema como dizem algumas pessoas que o acesso a internet não é universal está limitado às cidades grandes, há algumas pessoas, mas uma vez que a pessoa tem esse acesso pode melhorar o próprio ambiente de falta de editoras, pode ser essa a alternativa boa, porque uma vez que a pessoa tem acesso a essas publicações, a internet representa uma das forças mais importantes hoje não só na literatura, mas no mundo da cultura na geral. Há a possibilidade de conhecer coisas que ainda não tenham chegado a nós.

1 comentário:

  1. Viva a África, viva Mia Couto, viva Gonçalo Tavares. Chegou a hora de dar um basta. um basta no colonialismo. Que sejam protagonistas de suas histórias. Elias Borges de Campos-cientista social, poeta e escritor. Campo Grande-MS Brasil

    ResponderEliminar

Edição 1 - Nós - Artes e Culturas

TV-NUMA PALESTRA COM ESCRITOR BRASILEIRO, RUBERVAM DU NASCIMENTO