terça-feira, 29 de dezembro de 2015

PARA ESQUECER EM 2015: BCI MOZAMBIQUE MUSIC AWORD



BCI Mozambique Music Aword (MMA) prémio atribuído a músicos que se destacam no ano em diferentes estilos da música parece ter se exacerbado nas “gafes” em 2015. Foi um dos piores eventos que se pode ter assistido no ano que “graças a Deus” passa.

É preciso que se reconheça antes de mais que este é o evento com mais “pompa” que Moçambique tem na área de música e que tenta, a todo custo parecer o mais sério. Mas está comprovado ano pós ano que não cai nas graças nem do mais pacato espectador do cenário musical nacional.
Aliás só os “pomposos” tem se esmerado em exibir os troféus deste concurso que, apesar de tudo, de certa forma é uma presença importante na cultura nacional sob ponto de vista de incentivo e estímulo na criação artística. Isso também é preciso reconhecer.

Diante de uma situação em que o país escuta os mesmos músicos ou só os mesmos músicos se fazem ouvir, fazer um concurso destes revela-se, por um lado importante para o início da carreira de mais talentos ou então, ajuda com que sejam os mesmos sempre na ribalta. Sim, porque um MMA, a ser realizado por uma agência de publicidade como a DDB, com uma influência mediática muito grande sempre pode ditar – mesmo que seja para os menos astutos, que são a maioria – quem é que se deve ouvir.

Mas então vamos aos factos. Na última edição, a sétima, este concurso parece ter chegado no seu limite. Não me esmero aqui em explicar qual limite, se o do fim ou o de continuidade, pois o comunicado que emitiu depois das críticas avassaladores se quer explica-nos o teor desse limite com clareza. Se o limite significa o fim do MMA ou se significa o fim das “gafes”.

Ao nomear este “prémio” como o acontecimento que se deve deixar “ruir” com o 2015, pesa, dentre vários aspectos, as categorias dos prémios que parece ser defeito deste evento “inventar” anualmente, provavelmente para acomodar interesses ocultos.

A invenção de uma tal coisa que decidiram chamar de “Melhor Artista da Província” que atribuíram à proeminente jovem cantora Euridse Jeque foi um tiro no próprio pé. Juro que não entendi esta. O que é “Melhor Artista da Província”? Num prémio que se denomina nacional “Mozambique Music Aword” como haverá de se ter como prémio ou homenagem ou seja o que for, um artista da província? Qual província? E porque a província tinha de ser separada do nacional?

Repito, esta categoria ou excepção foi uma invenção “inédita” na edição de 2015 do prémio. Não existia, não se justifica, é desnecessário e nunca devia existir. O prémio é nacional – é o que nos dizem – e deve se premiar os nacionais e não os da província. Ou então que fundamentem melhor e nos convençam na próxima.

Sem quer aqui me referir da gala final na qual faz-se a entrega dos prémios que deve ter sido das piores transmissões que o canal privado STV deve ter proporcionado os seus telespectadores, traindo a sua tradição de qualidade. Uma gala absolutamente ruidosa e sem qualidade em quase todos aspectos, dispensando a actuação de alguns músicos.

E finalmente, o comunicado assinado pela organização e sem rosto. Aliás um texto incoerente e que não diz absolutamente nada com o título: Estimados Amigos da MusicaMoçambicana. Esse representou por excelência a imagem da organização deste concurso. Ora apresenta um problema no objectivo ora na construção. Ou se tratava de uma nota de pedido de desculpa, ou de esclarecimento, ou de um pedido de anúncio da morte do MMA ou então da continuidade. Não se compreende nada, aliás, o que ficou mais claro foram as lamentações da chamada organização.

Recordar que o MMA tem como patrocinador principal o Banco Comercial e de Investimentos (BCI), é organizado pela DDB Moçambique, teve como júri e apoios, a Associação dos Músicos Moçambicanos (AMMO), Associação Moçambicana de Autores (SOMAS), Associação de Djs e Ministério da Cultura e Turismo.  


Concluindo, não defendo o fim do Mozambique Music Aword, mesmo que na carta das lamentações da organização tenha se cogitado quase que em tom de ameaça. E nem defendo a continuidade. E o que defendo? Alguma qualidade. E essa não tivemos em 2015, então vamos esquecer.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

OS MELHORES DE 2015 NA CULTURA MOÇAMBICANA


ALBINO JORGE MBIE: este jovem moçambicano a estudar em Boston, nos estados unidos lançou seu primeiro álbum em 2012 “Mozambican Dance”. Um título sugestivo para um país que a música está como o desaire do Titanic. Com alguns deuses capazes de vaticinar o destino de uns e uns metidos a liberais mas que pouco compreendem se quer o que dizem. No colapso total de sentimentos vai a nossa música dançando ao ritmo dos seus autores que mal sabem explicar o que fazem. E no meio da penumbra chega-nos Albino Mbie para uma série de espectáculos em 2015, dois anos depois de ser consumido seu CD por um punhado de gente – como é hábito nestas bandas, quando o artista é de mão cheia não tem casa cheia. O jovem levou as suas músicas ao vivo para públicos de Maputo e da Beira. Todos os concertos foram marcantes. No seu estilo que funde os instrumentos fazendo um jazz que não nos leva distante de Moçambique vai sendo Albino um moçambicano de que nos podemos orgulhar aqui, nos Estados Unidos ou na Europa.  


DADIVO JOSÉ e MARIA ATÁLIA: quando o teatro é um mudus vivendu. Estes dois irmãos, actores e professores de teatro, pode ser que, como muitos da sua área, reclamem não viver de teatro – e com toda a razão todos quererem viver do que fazem e gostam, tal como um operário quer viver do seu salário. Tenho-os como um dos melhores de 2015 pelo facto deles VIVEREM O TEATRO e tê-lo como um instrumento de expressão social. No presente ano, a minha escolha destas figuras vai o peso do teatro educativo, num país em que as artes mais do que tudo é que assumiram a função de formar e educar. E o Grupo Mahamba de que fazem parte estes dois percorreu este país educando nas diversas frentes em plena tensão política que abre os jornais das principais televisões. Há-de se perceber não muito longe do tempo que o conceito de palco não muda de padrão, mas muda de abordagem pela qualidade dos seus protagonistas.


IRENE MUCUIU: Criou há cerca de três anos o jornal Debate, tendo o transformado nos últimos seis meses num jornal Cultural. Foram várias tentativas falhadas de se fazer um jornal de artes no país, é verdade, mas convenhamos que cada história é uma história. E se importa o agora, devemos então reconhecer o actual esforço e engrandecer o seu papel social. Este jornal é diferente à partida. É um benefício não só para a comunidade artística, mas e principalmente, para este país que se gaba de ter uma riqueza cultural em que nenhuma acção é feita para demonstrar esse facto. O jornal Debate é um espaço em que se reflecte e discute o Moçambique cultural, e se olharmos para os nossos jornais, vamos perceber que é o único espaço que ainda pode acalmar a nossa cede de ler jornais por paixão. Esta mulher sofre de uma loucura necessária. Leiam o jornal e vão perceber.


JOÃO RIBEIRO: os cineastas produzem filmes. Mas não é só de filmes que sobrevive a indústria. O que se chama indústria é uma “estrada circular” tem de unir vários pontos, e vários pontos juntos constituírem a sua robustez. João Ribeira mais uma vez trouxe-nos a SEMANA DO CINEMA AFRICANO, a terceira neste 2015. Um festival que já marca a agenda cultural nacional e que disfarça a dificuldade que tem os cineastas em produzirem filmes no país. Contudo aqui tem-se um palco onde podem desfilar os filmes não só nacionais como internacionais fazendo de Maputo uma cidade do cinema. Apesar das dificuldades que relata o director deste evento, deve receber o nosso reconhecimento pela coragem.  

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LUCÍLIO MANJATE, OSVALDO DAS NEVES e ALBINO MACUÁCUA: Ambos professores de literatura moçambicana na Faculdade de Letras e Ciências Sociais da Universidade Eduardo Mondlane formam uma forte tríplice da crítica à literatura moçambicana. A publicação da sua obra “Literatura Moçambicana: Da Ameaça do Esquecimento à Urgência do Resgate” prova o bom percurso que procuram fazer num país em que já se reduz a crítica sobre a ausência da crítica. Fora do facto destes serem uma parte activa com participação em vários fóruns de debate literário, sempre mostrando a sua posição franca e pouco fatalista, porém reconhecendo os caminhos da qualidade que os poucos autores moçambicanos precisam trilhar. Eles merecem não só o respeito da academia, mas de toda a sociedade.


MARIA HELENA PINTO: escolheu a dança como sua vida. E como tal tem de fazer sempre alguma coisa. Destacada como uma das maiores coreógrafas e bailarinas nacionais, agora destaca-se pela ciência da própria dança. Lançou o livro “DERIVES CONTEMPORÂNEO” um grande contributo para a história da dança contemporânea no país. Devemos a partir daqui começar a falar desse estilo de dança como uma prática entre os moçambicanos. Afinal estávamos na penumbra, o que é isto? Éramos uma vez mais aqueles que sabem fazer e não sabem dizer. Maria Helena Pinto que se formou nesta área leva-nos então para uma janela que nos mostra o palco da dança contemporânea. Afinal a dança se escreve e explica-se….

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

PANCHO GUEDES: O homem que recusou a morte e deu vida à pedra*

Pancho Guedes um dos principais responsáveis pela arquitectura da cidade de Maputo
| Foto: http://noticias.sapo.mz/

Espanto-me ainda agora por me ter sido feito o convite para falar de um homem falecido aos noventa anos de idade. Seriam esses os fantasmas de um homem que ergueu a cidade?

E quando isto calha no natal, recordo-me das histórias da pacata zona da minha mãe, em Chicumbane, em Gaza, precisamente na zona do herói nacional Milagre Mabote, antes de eu saber que ele fora o libertador nacional. Em frente a casa de Mabote, dizia-se que havia um homem cujo rosto ninguém terá visto, que andava com candeeiros noite a dentro em volta da casa. Às vezes viam-se algumas botas perseguindo pessoas à noite. Muitos meus irmãos mais velhos garantiram-me que viveram essas situações. De resto não posso confirmar porque nunca me atrevi a passar de noite em frente a essa casa. Coincidentemente, Chicumbane também uma obra de Pancho Guedes, a Escola e Lar de Enfermeiras / Estudantes de Chicumbane.

Pelo contrário nunca ouvi que se contasse alguma história do fantasma de Pancho Guedes, em Chicumbane, muito menos em Maputo. E se o mesmo fosse, então Maputo seria uma cidade em que não se dorme. Porque desde os Apartamentos Prometheus, na Mão Tsé Tung, ao Leão Que Ri” na esquina de Kwam Nkrumah e Salvador Allende, passando pelo Munhuana e Chamanculo até ao Matalane, os monstros de Guedes se impõem.
"Leao Que Ri" obra de Pancho Guedes
| Fotos: https://delagoabayworld.wordpress.com

Todos estes edifícios para minha felicidade ainda se cruzam no meu olhar de pequeno. E pergunto-me sempre sem ser grande entendedor de arquitectura como será a pessoa que criou tudo isto?

Um poeta, certamente. Porque no meu entender de quem navega em obras de ficção e de poesia, só a palavra sabe fazer tantas curvas com uma particularidade invulgar. Só a palavra, pode torcer o betão como nos apresenta os edifícios deste arquitecto, como a especial obra da Igreja Sagrada Família da Machava.

Ele mesmo disse numa entrevista sobre este edifício:

Tem um plano como um crucifixo. É uma igreja se transformando em cruzes nas extremidades e entradas. É uma casa de uma mãe cercado por crianças em chapéus engraçados, salão de festas com um telhado como um barco. Este navio de vida vigiado por quatro bidireccionais cruzes de gordura, com um periscópio lado assistindo ao longo de um mar de árvores e uma caixa de olhos sino rodado tocando aos quatro ventos, é uma casa de paredes de rolamento transformando-se em cantos, fendas e concavidades, para homens velhos no sol, para esconde-esconde jogos, para os amantes, para jovens gangues.
Igreja Sagrada Familia da Machava
| Foto: www.housesofmaputo.blogspot.com

Olhem quão poéticas são as palavras nosso homem. Há registo de que experimentou-se na poesia como tal. Mas preferiu que isso ficasse como mistério. Eu próprio nunca li um poema seu, mas algumas frases suas garantem-me que era um poeta fervente.

No entanto Pancho Guedes tinha razão de ser um arquitecto particular com um elevado grau de estética e elegância. Destacou-se como pintor desde os tempos de estudante na África do Sul.

ALPOIM PANCHO GUEDES, como assina os quadros, dizia ele, é o “filho” de Pancho Guedes, o executante, o “responsável por toda a obra, excepto o betão armado”. É também o historiador e o arquivista: é ele quem guarda os desenhos, as pinturas, as esculturas, as fotografias sobreviventes, que se tornam cada vez mais a cada dia que passa.

E foi muito longe como pintor ao participar em eventos importantes, como Bienal de S. Paulo, Brasil, em 1961, estando também presente na Bienal de Veneza no ano de 1975. Em 1962 participa no 1º Congresso de Arte Africana em Salibury, Rodésia, com a comunicação “The Auto-Biofarcical hour” onde apresenta pinturas, esculturas e outras obras que despertam um enorme interesse. Em 1987 teve uma exposição de desenhos e pinturas na Galeria Cómicos, em Lisboa, Portugal.
Obra de Pancho Guedes
| Foto: http://taputovaiparamaputo.blogspot.com/

Pertenceu ao "Team 10", dissidente do CIAM, Congresso Internacional de Arquitectura Moderna. Esse é o Pacho de que se impede a sua ausência na história da arquitectura do século XX. Uma arquitectura anti-colonial, mas também não africana. Seus traços não têm Portugal por exclusivo nem Moçambique nem África do Sul. As obras de Pancho têm um lugar que só dentro de si se conhece.

Daí ser desafiador hoje a Minerva nos propor esta exposição para vermos com outros olhos a obra do homem que recusou a morte e que deu vida à pedra.

Matola, 15 de Dezembro de 2015
*Texto apresentado na inauguração da exposição sobre Pancho Guedes na Minerva, em Maputo.


Edição 1 - Nós - Artes e Culturas

TV-NUMA PALESTRA COM ESCRITOR BRASILEIRO, RUBERVAM DU NASCIMENTO