sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Xitiku Ni Mbawula e o paradigma do quotidiano suburbano


Por Eduardo Quive

NOTA EXPLICATIVA

Em cinco artigos distintos, proponho-me a falar de um dos mais importantes grupos de Rap da Matola e, porque não, de Moçambique. Os XITIKU NI MBAWULA. Todas as sextas-feiras poderemos debater a partir das ideias em que se compõe este grupo, sobre outros grupos nacionais que fazem este estiluo musical. Comentários, críticas e ideias serão bem vindos de modo a que o aqui apresentado seja de concesso de todos.


S-Gee e Dingzwayu. Dois líricos, sociólogos e antropólogos ou detetives suburbanos. Seja como for, o que estes dois jovem são é o que o Patrice Lumumba e Singathela, dois bairros suburbanos, moldaram nos anos 90, tornando-os em lendas vivíssimas, cujos contornos da sua arte é sem sobras de dúvidas um paradigma poético puramente suburbano.
Quem conhece os Xitiku Ni Mbawula, com certeza entende que a sua música tem um espaço, no entanto, curiosamente, é intemporal. Aí está o suco e o factor de interesse na música desta “banda” jovem que dá uma originalidade ao nosso modo de fazer rapper.
Patrice Lumumba é um bairro do município da Matola, província de Maputo. A avaliar pela geografia das línguas nacionais, é um território dos ma-rongas. Mas esse é um mito crer nisso nos tempos actuais. A Matola já é uma cidade potencialmente económica e com vários espaços residenciais, isso permite uma mistura de cores, etnias e, até nacionalidades. E Patrice Lumumba, como um dos mais antigos bairros e dos mais populosos que a Matola tem, obviamente é um ponto de convergências dessas culturas. Aliás é essa intrínseca ligação que dá uma especialidade ao Xitiku Ni Mbawula. O facto de Diguizuayu ser de uma família que tem as origens na província de Inhambane, ainda na zona Sul do país e ter fluência na língua xi-Chopi (pela ligação familiar) e o xi-Ronga, a língua pela qual vive e convive na Matola e, por outro lado, SG ser um nativo, também falante do xi-Ronga, faz dessa união, uma perfeita combinação etnolinguística.
Porém os rapazes não pararam nesse intercâmbio linguístico. Musicalizaram as línguas, ao estilo Hiphop, já que nos ritmos já eram cantadas. Seja por isso se calhar, o Xitiku Ni Mbawula uma referência no uso das línguas nacionais para cantar num estilo que, como é sabido, vem dos guetos dos negros americanos (ou afro-americano, como passam a ser chamados).
Certamente, ao fazer essa escolha, inteligente, não fizessem ideia do fenómeno artístico em ebulição. Até porque na altura em que surgem, a maior preocupação seria o entretenimento entre locais. Lembro-me aliás, de acompanhar os pequenos exercícios de improvisação na varanda da casa do Dingzwayu na Rua “O”, actual avenida Mártires da Machava e os pequenos jam session´s que vieram a ser realizados a partir dos cinco últimos anos nas ruas do bairro. Nesse período o grupo já tinha levantado o voo, portanto, era já motivo de aglomeração das massas a sua aparição. Mas não nos esqueçamos, em Moçambique o Hiphop ainda não é arte das massas, pelo que os adolescentes e alguns jovens é que mais afluíam nesses pequenos espectáculos de rua.
Mas analisar este grupo quanto ao espaço e conteúdo (intemporal, como já referi), é o que me move nesta incursão.
Sem nenhum álbum ainda no mercado, as suas músicas, facto curioso, são de conhecimento de um público nacional e internacional. Pouco tocado nas rádios, a não ser o privilégio do nobre programa de música do estilo Hiphop da Rádio Cidade, aí vem ao topo o nível de pessoas que os seguem. A música destes jovens artísticas, já circula em telemóveis e computadores de muita juventude e até dos mais adultos. Mas como entender esse “bum” quase que silencioso de um género posto a parte em Moçambique?
Conteúdo e método. Daí vem a explicação. O Xitiku Ni Mbawula pauta por discussão e reflexão dos problemas típicos da periferia suburbana, uma vez que, voltando a questão ultrapassada, nascem num contexto e num lugar em que problemas de saneamento, alguma criminalidade, inculturalidade ou imoralidade, entre outros males típicos de um lugar onde a cidade espreita, é que inspiram para a sua necessidade de cantar.
Portanto, o povo tem nas suas mãos dois músicos que se tornaram um, através de um agrupamento que, inclusive, o nome é tradicional, Xitiku Ni Mbawula – conversas em volta da lareira -, traduzido literalmente. A sua música é cantada nas línguas em que os dois artistas cresceram: xi-ronga e xi-Chopi, sendo a última língua a face do Dingzwayu e a segunda, do S-Gee.
Em Xitiku Ni Mbawula, encontramos os males sociais, a precariedade das condições de vida no Patrice, Singathela e até no país em geral como se referem numa música intitulada “Dingzwayu ani zitu” (Dingzwayu tem a palavra) em que os dois, fazem a radiografia de vários problemas ligados aos desafios do desenvolvimento do país acompanhado por abandono dos hábitos e costumes e até do respeito à condição humana do povo.
Ao escutar a música deste agrupamento o povo tem, portanto, quatro (4) elementos de uma só vez, o bom ritmo, a mensagem cuidadosa e rigorosamente elaborada, a tradição/línguas nacionais e a estranheza de em tempos em que há um abandono “aparente” às línguas moçambicanas, um grupo de jovens estudados, aposte na reformulação dos hábitos. Não seja por isso, encontramos em S-Gee, uma voz musicalizada, com uma boa entoação dos coros, quase que nostálgico e em Dingzwayu a abordagem dos paradigmas da Matola suburbana com a maturidade de um idoso conselheiro. Todos estes elementos, fazem da música de Xitiku Ni Mbawlua, única entre o variado talento que a Matola tem. Falo de casos de Filipe Nhansavele, Eugênio Mucavele, Bob Lee até aos mais jovens Edu, Mahel, Iveth, Azagaia, Inocêncio Matola e o internacionalmente reconhecido, baixista, Neco Novella, outros nomes que apenas requerem atenção para se descobrir que esta cidade tem arte.  
Contar a história de um grupo como Xitiku Ni Mbawula, é um acto quase que inesgotável, porém, proponho-me a falar dessa “banda” de Hiphop da Matola, cidade satélite, o maior parque industrial que Moçambique tem. Em mais etapas seguir-se-ão os dados que tornam este agrupamento numa referência e pioneira do estilo hiphop num país onde este estilo musical ainda sobre alguma hostilização.

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