segunda-feira, 28 de abril de 2014

MAHAMBA: “CULPADO? COMBATI UM BOM COMBATE”




Quatro de Outubro de 1992 – Assinado Acordo Geral da Paz em Roma, uma paz para Moçambique, volvidos 16 anos de um conflito armado entre Resistência Nacional de Moçambique (RENAMO) e a Frente de Libertação de Moçambique (FRLIMO). Como se justifica o quatro de Outubro? Como justificar os muitos anos de guerra? Como justificar muitas mortes e massacres (des)impididos? Como explicar aos ‘espectadores’ dessa guerra como tudo aconteceu nas matas? Quem é o culpado? Quem combateu um bom combate?

A Companhia Teatral Mahamba, apresentou no sábado último, no espaço Mafalala Libre, a peça “Culpado? Combati um bom combate”, encenação de Maria Atália. Em palco dois actores, Dadivo José e Ambrósio Joa (convidado do grupo teatral Luarte) contam a história de uma guerra famosa por ter durado mais que a colonial, dezasseis anos, cujo termo ‘guerra de distabilização’ não cabe na boca de todos, pelo menos na peça. Para o regressado da guerra, como um ‘grande general’ esse conflito armado deve se chamar ‘guerra civil’. Os actores não tem nomes no palco, afinal há muitos nomes por criar para esses personagens “reais” no contexto moçambicano.
O facto é que nessa guerra civil, se assim se deve chamar de acordo com a personagem, o grande general das forças governamentais foi combatente durante anos e assinado o Acordo Geral da Paz não regressara à vida normal junto da família, pelos ao leito da esposa e do filho que se fora ele ainda muito pequeno. Só agora chega-nos o grande general e sujo de sangue de muitas vidas, talvez tombadas em casa banana ou Homoíne, o facto é saber se foi matando civis ou o inimigo.
É nesse ponto de fuga que se prende o “Culpado?”. A verdade é que o grande general foi um bom combatente, matando civis ou o inimigo, houve um cumprir de ordens. Talvez seja por isso que chegou, anos depois, à terra libertada e matou o padrasto do seu filho, quem este supostamente envolvido na guerra. Mas como explicar isso ao filho que tem mais ou menos a idade da paz da Pátria? Aliás, há muita coisa que não se explica nas palavras do general cuja lucidez deverá ter-se ido nas matas onde também ficou a verdade. Ele próprio tem o desejo da morte.
O jogo (des)afectivo entre Dadivo José, quem representa o general, e Ambrósio Joa, o filho do general é comovente. Durante a peça os espectadores estiveram calados, hipnotizados na verdade, era crucial entender cada episódio da história com personagens que sem sair do palco, levavam-nos a lugares tão longínquos e a assuntos bastante avermelhados de sangue. Factos que para alguma minoria da sala ainda vinham na memória, para outros, só ouvindo falar.
As canções da guerra é tudo que trás este regressado e canta para o filho que na verdade quer ouvir as canções que a mãe garantiu que o seu pai cantava para ele dormir. Mas este não, este pai canta “Matsanga” canta o aceitar a morte e diz “morreremos sim”, canta ainda “Mondlane”. E tudo isto é estranho para seu filho com idade da paz, que já tinha chorado e sepultado seu pai logo que se passaram dois anos de paz, 1994, sem que o herói da Pátria regressasse. Dadivo José deve ter guardado na memória estórias dramáticas da guerra. Chora e canta de verdade e ri-se também do coitado que se tornou na figura de um guerrilheiro que só ficou o esboço de um serviçal da pólvora.  
A interacção entre os actores que por vezes repetidas enquanto contracenavam tiveram o corpo como lugar de morada da ira e do alívio. Estávamos diante de dois conhecidos estranhos, um combatente em para o filho não se explica porquê o regresso à casa ainda sujo de sangue, anos depois do fim da guerra. Assim como devia não se explicar como volvidos vinte anos de paz, as armas voltem a falar conhecida a experiência do barulho das armas. É por isso que o grande general não queria regressar à terra libertada. Porque não queria ver esta “democracia importada” que o seu filho entende como necessária.

Talvez faça sentido que se coloque a pergunta nos moldes do Mahamba “Culpado?”. Afinal esses não foram procurados, onde se calhar haja quem queira que se faça justiça. Um chamamento à reflexão sobre os males de hoje através do passado. Ainda bem que a peça não se repete, se calhar os males também não voltam.      

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