domingo, 28 de agosto de 2011

Jovem com dois úteros em Cabo Verde


Leila Soares tem 25 anos, mede 1,62 m e pesa cerca de 51 kg. É jovem, elegante, bem-disposta e perfeitamente normal. Aquilo que a distingue da maioria das outras mulheres não está à vista, nem se advinha: Leila nasceu com dois úteros.

Leila tinha já 18 anos quando foi ao ginecologista pela primeira vez. A primeira menstruação veio-lhe quando tinha 12 anos e desde então todos os meses vivia um suplício. Dores, período muito abundante e de longa duração - uma média de 12 dias. A mãe quis esperar até ela ter a maioridade, depois foi procurar ajuda médica.

"Fiz análises e uma ecografia. Descobriu-se que eu tinha dois úteros. Dois úteros e dois colos do útero", conta.

"O médico não falou directamente comigo. Falou com a minha mãe. Quando eu vi a minha mãe a chorar, eu perguntei-lhe porque é que ela estava a chorar e ela explicou-me", recorda.

A mãe chorou, mas não Leila.

"Eu fiquei um bocado abalada, nunca tinha ouvido falar daquilo. Mas pronto, não é uma doença mortal, que não tem cura. Tem cura porque é só tirar um, posso ficar com outro", diz.

O nome dessa má formação uterina, que segundo os especialistas atinge de 1a 6% da população feminina mundial, é útero didelfo.

A anomalia é congénita e surge durante a formação do órgão reprodutor, sendo criada uma divisão que faz com que as partes fiquem completamente separadas. A mulher fica assim com duas cavidades internas.

Recorde-se que o útero é formado por paredes de músculo, e é oco por dentro. A parte de baixo, próxima à vagina, chama-se colo do útero. E Leila também tem dois.

Leila não é o único caso de útero didelfo em Cabo Verde. Otília Gonçalves, ginecologista, não seguiu o caso de Leila , mas afirma que aparecem cada vez mais casos de mulheres com dois úteros, podendo ter um ou dois colos.

Esta anomalia é, geralmente, assintomática, há muitas mulheres que não sabem que a têm até realizarem algum exame especializado, ou engravidarem. Algumas descobrem-na apenas no parto.

Aos 20 anos Leila foi mãe. O menino, agora com cinco anos, nasceu prematuramente, quando ainda faltava uma semana para completar os sete meses de gestação, devido à pressão do outro útero. Pesava 1,9 kg, tinha vários problemas e os médicos não tinham a certeza de que ele sobrevivesse.

"Com 6 meses de idade tinha feito cinco operações, mas graças a Deus agora está tudo bem", desabafa.

O nascimento prematuro é comum nestes casos. E não é a maior ameaça. Há também um sério risco das crianças nascerem com problemas graves ou de se sofrer um aborto espontâneo.

"A médica disse-se que o meu próximo filho, nestas circunstâncias, vai nascer com deficiência," conta.

Por isso, apesar de não tomar nenhum contraceptivo, de ter abandonado as injecções, toma providências. "Uso preservativo", revela.

Até agora Leila foi sempre acompanhada em São Vicente, de onde é natural. Chegou à Praia em Março, mas antes realizou os vários exames semestrais a que já se habitou.

"Vim para Praia porque são Vicente não tem muito trabalho. Por isso vim. Praia é a capital e tem mais condições para se trabalhar".

Doar ou simplesmente retirar
Há várias razões para que Leila deseje retirar um dos úteros. E ela acredita que o poderia doar para bem da ciência e do futuro das mulheres que desejam ter um filho.
A doação de órgãos, para transplante, é uma discussão ainda inexistente em Cabo Verde. Mesmo no exterior, a questão é complexa, e o factor da rejeição dos órgãos transplantados demasiado grave para que a operação seja feita de ânimo leve.
Há mesmo quem defenda que o transplante se deve limitar a situações em que o paciente está em risco de vida.
No entanto, tal como em todos os ramos, a medicina a nível de transplantes de úteros está a avançar. O primeiro caso de que encontramos registo remonta a 2000. O transplante ocorreu na Arábia Saudita, quando uma mulher de 26 anos recebeu o útero de uma mulher falecida, de 46 anos. O corpo da jovem recusou o órgão, que teve de ser retirado cerca de três meses depois. 
Em 2012, cientistas suecos vão tentar pôr em prática as experiências realizadas com animais e proceder a um transplante.
Neste caso, a doadora é a mãe de uma mulher que nasceu sem o órgão reprodutivo e ambas estão já a ser sujeitas aos mais variados testes. Todos os transplantes até hoje realizados decorreram entre pessoas sem grau de parentesco, o que poderá ser uma causa para o insucesso. É a primeira vez que esta intervenção médica se vai realizar com duas mulheres da mesma família.
Para Leila o ideal é que um dos seus úteros seja extraído no estrangeiro. 
"Temos bons médicos em Cabo Verde, mas eles próprios aconselham que se eu quiser retirar um o faça fora, porque aqui não há condições", diz.
Retirar um dos úteros ia "diminuir os meus problemas", acredita. As relações sexuais passariam a ser menos dolorosas, a sua menstruação mais regular e branda. Além disso, poderia ter mais um filho, como é seu desejo, sem o fantasma dos riscos que esta gravidez actualmente comporta. Pelo menos, é este o seu sonho.

28-8-2011, 22:53:16
Sara Almeida - Jornal Expresso das Ilhas, Cabo Verde.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Edição 1 - Nós - Artes e Culturas

TV-NUMA PALESTRA COM ESCRITOR BRASILEIRO, RUBERVAM DU NASCIMENTO