terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

O drama de estudar no curso nocturno: Menores de idade estão expostos ao crime

No passado, estudar de noite era reservado para a alfabetização e educação de adultos, depois ficou para os mais velhos e agora é até para crianças menores de idade. Nos últimos anos, o país tem registado um aumento de cidadãos que estudam de noite. Há anos, estudar nocturno era por opção, mas agora é obrigatório, isto é, por falta de alternativa. Estudar de noite já não é apenas para adultos e considera-se que no referido turno, as crianças devem estudar segundo o Ministério da Educação.


Por Eduardo Quive

A nossa reportagem, deslocou-se para alguns estabelecimentos de ensino secundário, a fim de assistir o cenário que se vive nas aulas do curso nocturno e procurou igualmente conversar com raparigas que frequentam este período.

Nelta Madembe, Palmira Mavila e Lídia Manhiça, ambas com 16 anos de idade, são colegas e estudam na mesma turma, 9ª classe, na Escola Secundária da Machava-sede, município da Matola, mas não vivem na Mesma zona. Nelta Madembe, vive no bairro Trevo a bons quilómetros da escola e as outras, vivem no bairro da Machava “C”, não muito distante da escola.

Nelta, contou a nossa reportagem que estuda de noite por falta de opção e por gostar de estudar, pois para ela, aquele é meio para a conquista de melhores condições e dignidade no futuro. Ela atravessa estradas e vários obstáculos na trajectória diária, da escola para casa e vice-versa. Desde o ano passado, quando frequentava a oitava classe pela primeira vez a entrar de noite, foi daí que começou uma fase difícil para a sua vida, onde até os amigos ficaram distantes.

“No primeiro ano foi muito difícil, fiquei um mês sem vir a escola, os meus pais não concordavam, pois antes, nem se quer deixavam-me sair de casa de noite e nem tinha coragem de andar sozinha por estas zonas, mas fui vendo que não tinha outra alternativa, se não enfrentar a difícil realidade em que fui submetida. Não foi por querer, mas para mim, não tinha vaga de dia, disseram que sou crescida e de dia é para os mais novos,”disse em ar de desabafo.

Nelta, frisou ainda que nessa fase quase tudo mudou na sua vida, mas o principal, foi ter que fazer-se passar de adulta para enfrentar a vida de como era possível, comungando as turmas com adultos que na sua maioria não estão atentos as aulas dos poucos professores que aparecem. Outra dor é sentir-se longe dos amigos que não se desgrudavam de si na escola primária.

Nesta parte, as suas colegas Palmira e Lídia, concordaram acrescentado que “no ano passado quando saímos de casa as nossas amigas riam-se de nós e os vizinhos diziam que não estudávamos, íamos a escola apenas para namorar. Alguns até juravam que nem se quer estudávamos e que no final ficaríamos grávidas em vez de passar de classe e de facto algumas meninas ficaram pelo caminho, mas pelo contrário nós não, passámos de classe agora estamos a fazer a 9ª classe, continuamos de noite e vamos estudar. Não temos alternativa,” concluíram.

Quando perguntadas sobre a diferença que sentiam entre estudar de noite e de dia, revelaram-nos que “de noite não se estuda. Os professores não se importam com nada e só aparecem quando querem. Mas também isso acontece porque os adultos cometem muita indisciplinam, eles só vem em busca de certificado e enquanto nós não.”

Uma outra estudante da décima primeira classe, Áminah Muhamad do Rosário, com 17 anos de idade, também relatou o seu drama, que não se difere muito de outros depoimentos, e estuda no curso nocturno na Escola Secundária da Machava-sede.

Áminah, vive no bairro da Matola “H”, vulgarmente conhecido por Matola 700, uma localização bem distante da sua escola, sendo que para fazer as viagens, precisa de um transporte semi-colectivo de passageiro e pelas características dos transportes na cidade da Matola, é sabido que a partir das 20 horas escasseiam.

A estudante vive um drama que começou este ano, sendo a única da sua turma, segundo, informou-nos que teve uma afectação de noite, mas o problema não é esse, são os desafios que tem por enfrentar.

“Não acreditei quando vi que o meu nome saiu para estudar de noite. Nunca pensei que isso iria acontecer comigo, pois era uma das mais novas da minha antiga turma da décima classe. Mas a verdade era essa e tinha que enfrentar, mas sem saber se tinha coragem, vim a escola logo no primeiro dia e até tive medo e vergonha de entrar na sala. ” E na turma em que me encontro agora sou a mais nova, os outros tem muito acima dos 18 anos, alguns tem até 30 a 40 anos de idade.”

A nossa entrevistada, disse que há vezes que não há chapas “chapas”, pede-se boleias ou mesmo, acaba-se chegando a casa a pé.

“Há falta de chapas, saio da escola por volta das 21 por vezes 22 horas sem companhia, atravesso a linha-férrea de noite sozinha, quando há chapas passam superlotadas. Os meus pais não concordam que estude de noite, mas é para fazer o quê?” questionou em voz de quem não tem “saída”.

Por estudar de noite, Áminah conta que a sua vida está a mudar “tenho que me inventar para poder me lidar com os adultos que estudam comigo. Até agora não tenho amigos, pois todos são velhos, mas de dia tinha vários, pois éramos todos da mesma idade. Mas não me posso queixar por isso, o que mais dói é saber que há pessoas mais velhas que eu mas que estão a estudar de manhã enquanto nós, os mais novos estamos de noite no lugar deles.”

Tal como as outras fontes, esta considera que estudar de noite é diferente de estar de dia, por mesmos motivos alegados anteriormente “os professores não são exigentes porque os adultos não se interessam muito em estudar, desde que iniciamos as aulas nunca tive último tempo, mas no meu horário vem que teríamos aulas,” concluiu.

Esta é apenas uma parte de várias e duras realidades que os estudantes do curso nocturno enfrentam, principalmente as raparigas que estão expostas ao crime, a difamação o que pode abater psicologicamente estas que são as futuras dirigentes deste país, se a vida o quiser, pois, de si, a vontade não falta, mas se calhar falta uma atenção de quem é de direito.

Que não seja apenas por isso, as menores que se expõem as noites e sem segurança, são vulneráveis a várias tentações, que vão para além de um simples namoro que não depende essencialmente duma criança estudar de noite ou não, mas corem também o risco de cair nas mãos de qualquer violador e explorador de menores e outras maldades.

Aliás, segundo a UNICEF, estima-se existirem em Moçambique cerca de 99 mil crianças menores de 15 anos vivendo com HIV ou SIDA, e que 8.9 porcento das raparigas dos 15 aos 19 anos e 2.9 % dos rapazes da mesma faixa etária sejam seropositivos.

Por outro lado, a taxa líquida de frequência da escola secundária é, segundo o inquérito de Indicadores Múltiplos de 2008, da mesma instituição, apenas 20% das crianças em idade escolar para o ensino secundário (13-17 anos) estão a frequentar esse nível de ensino.

Nos 80 por cento remanescentes, algumas estão fora da escola ou a frequentar a escola primária. Em termos de género, não se observam diferenças significativas nas taxas de frequência escolar de rapazes e raparigas. No entanto, é interessante observar que, na maioria das províncias do centro e norte do país, permanecem desigualdades de género no acesso à escola secundária.

A diferença nas taxas líquidas de frequência entre áreas urbanas e rurais é marcada, sendo de 38 porcento nas áreas urbanas e apenas 9 porcento nas áreas rurais. Valores mais elevados que a média nacional observam-se na Cidade de Maputo (51 porcento), seguindo-se as Províncias de Maputo 36, Gaza 29, Inhambane 27 e Sofala 24 porcento. As taxas mais baixas são registadas nas Províncias de Zambézia 8, Tete 9, Cabo Delgado 14 e Nampula 15 por cento.

Estes dados, apesar de falarem e caracterizarem uma situação dos anos de 2008, não deixam de nos colocar a imaginação da situação em que nos encontramos neste ano. Entretanto, o Ministério da Edução os ignora e manda menores para frequentar o curso nocturno.

Cerca de 150 mil alunos que graduaram em 2010, das 7ª e 10ª classes terão ficado sem vagas no ensino geral.

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